11 O VERDADEIRO CONCEITO DE LEI

SUBTILEZAS DO ERRO


O LIVRO todo patenteia que o autor ignora crassamente a crença dos Adventistas do Sétimo Dia em relação à lei. Se ele se tivesse abalançado a conhecer a nossa doutrina no tocante ao padrão moral estabelecido por Deus, como está expressa, por exemplo, no preâmbulo do Year Book (Anuário) ou na nossa literatura de estudos, por certo não teria escrito os despautérios que escreveu. Em vez de citar fontes nossas, legítimos escritos de procedência adventista, nossa declaração de fé, preferiu encastelar-se nas tendenciosas assertivas do inconseqüente Canright. Resultado: caiu numa situação ridícula ou quixotesca, investindo furiosamente contra moinhos de vento. As suas clivagens não nos atingem, nem de leve. Açoitou no ar. 

Para ele, as Dez Mandamentos são peremptos, caducos, judaicos, abolidas formalmente por Jesus e, ipso facto, não constituem lei de Deus. Mas para pulverizar esse conceito blasfemo, o maior teólogo batista – o fundamentalista e credenciado A. H. Strong – classifica a lei moral de Deus em duas partes: a lei elementar e a lei preceituada. E esta – segundo ele – compreende o Decálogo, embora nela inclua também o sermão do monte. (1) E também distingue as leis cerimoniais transitórias. E diz em outra parte de seu tratado teológico que Cristo não cravou na cruz nenhum mandamento da Decálogo." (2) 

Deus não pode exigir contas de Seus filhos, no dia do juízo, senão daquilo que foi promulgado e tornado conhecido como norma de conduta. E tudo o que Deus requer, em matéria e ética, está consubstanciado nos Dez Mandamentos. 

Verdade é que em outras partes da Bíblia se encontram preceitos morais. Mas, devidamente analisadas, não são novos preceitos nem suplementação ou complementação do padrão máximo. São meras derivações do decálogo – repetição de enunciadas nele contidos implícita ou explicitamente. 


É a lei que se esparrama em quase todos os livros das Escrituras, que poreja aqui e ali, ora na advertência inflamada de um profeta, ora no suspiro sentimental do salmista, ara para profligar atos ímpios de um rei, ora para contrastar a impiedade de Jerusalém, ora na admoestação apostólica a irmãos carnais. São citações oportunas. É a aplicação do padrão divino. Mas em tudo isso a decálogo está imanente, é o núcleo em torno do qual gravitam estas enunciações. O sermão da montanha é uma lente sobre o decálogo. Pelo menos três dos seus preceitos são nele comentados por Jesus, com amplitude de sentido: o "não matarás," o "não adulterarás" e o "não perjurarás." Se devessem ser abolidos na cruz, não teriam sido base para um tema do Mestre dos mestres ainda no início de Sen ministério.  

O decálogo é a "matriz" da lei moral preceituada. "Matriz" fabricada pelo próprio Deus. Não o foi por Moisés. E é pena que os que nos combatem prefiram inutilizar a "matriz" e ficar com citações esparsas da lei moral, aqui e ali. É uma incongruência dizerem que a "matriz" é imperfeita, falha, superada etc. É incrível! 

Há ainda outra idéia cavilosa a respeito da lei. É a dos que querem que Deus formule um mandamento específico para cada tipo de pecado e que havendo pecados que não estão nominalmente citados no decálogo, isto indica que o mesmo é falho. Os que assim pensam querem perverter a revelação divina. O preceito é o resumo de toda uma classe de pecados. E estes – segundo o critério divino – se classificam em dez grupos: quatro classes denunciadas para com Deus e seis de natureza ética para com os homens. Só muita abtusidade poderia exigir preceitos diretivos, individualizados, feitos sob medida, como – à guisa de exemplo – "não fumarás," "não te suicidarás," "não sejas ingrato, avarento, orgulhoso, invejoso, irado etc." 

No entanto, com um pouco de percepção que o Espírito nos dá, ver-se-á que tudo isso se enquadra em preceitos do decálogo. João declarou que quem aborrece a seu irmão, é transgressor da sexto mandamento, (I S. João 3:15). Jesus enquadrou na sétimo mandamento a impureza de pensamento em relação a mulher. (S. Mat. 5:28.) Por isso Paulo averbou a lei divina de "espiritual" (Rom. 7:14), porque penetra nos meandros mais íntimos da personalidade. 

Uma falsa imputação, em torno da qual gira toda a desastrada dialética do autor, é a de que os adventistas se justificam pela observância da lei. À pág. 50 há essa injusta acusação, repetida em outros lagares. Repelimos, com veemência, essa monstruosidade que – a ser verdadeira – afrontaria o plano de Deus, reduziria a nada a sacrifício de Cristo, pisotearia a graça e tornaria profano o sangue do concerto eterno, além de atribuir ao homem caído capacidade para salvar-se por méritos próprios. Inteiramente gratuita! Inverídica! Caluniosa! Afrontosa até! Seria um uso ilegítimo da lei. (I Tim. 1:8.) Veio, porém, com endereço errado, porque jamais ensinamos esse disparate: justificação pelas abras da lei. Pode-se reptar a quem quer que seja a provar que esse seja o nosso ensino ou a nossa crença. E a vasta bibliografia adventista pode ser posta à disposição dos interessados. Jamais atribuímos à lei um uso ilegítimo, função salvadora. Ela apenas revela o pecado e nos conduz aos pés dAquele que pode salvar: o Filho de Deus. Mas, depois de salvo, o homem renascido pelo poder de Deus viverá em harmonia com os divinos preceitos da lei do Céu. É fruto da salvação. 

Em primeiro lugar, reportemo-nos à nossa declaração de fé. Do Year Book da nossa denominação, capítulo "Crenças Fundamentais dos Adventistas do Sétimo Dia," extraímos: 

"Item 6 – Que a vontade de Deus relativamente à conduta moral se acha compreendida em Sua lei dos dez mandamentos; que estes são grandes preceitos morais, imutáveis, obrigatórios a todos os homens, em todas as épocas." 

"Item 8 – Que a lei dos dez mandamentos revela o pecado, cuja penalidade é a morte. A lei não pode salvar do pecado o transgressor, nem lhe comunicar o poder que a guarde de pecar." "O homem é justificado, não pela obediência à lei, mas pela graça que há em Cristo Jesus... Aquele que levou sobre Si os pecados, introduzindo o crente na comunhão do novo concerto, sob o qual a lei de Deus lhe é escrita no coração, e pelo poder que lhe comunica o Cristo que nele habita, sua vida (do crente) é posta em conformidade com os preceitos divinos. A honra e o mérito dessa maravilhosa transformação pertencem inteiramente a Cristo." 

Outra fonte denominacional autorizada é o livreto O Que Crêem os Adventistas do Sétimo Dia. Do título: "A Lei Moral – o Decálogo," à pág. 6, item 15, destacamos o seguinte trecho: 

"– Que a lei moral não foi dada como um meio de salvação, pois 'nenhuma carne será justificada diante dEle pelas obras da lei', mas que seu objetivo primordial é fornecer-nos uma divina regra de conduta e definir o pecado." E à pág. 8: "Cremos que Cristo, e Ele tão-somente, por Sua morte substituinte, fez expiação pelos pecados dos homens..." 

Aí está a crença oficial dos adventistas do sétimo dia. Onde a indiciada justificação pela lei? Onde o seu uso ilegítimo? Só a má fé ou a ignorância a poderão apontar em nosso currículo doutrinário. Só o desejo premeditado de confundir ou malquistar-nos com a opinião religiosa em geral nos poderia averbar de judaizantes. 

Fazemos coro com o apóstolo: "Separados estais de Cristo vós os que vos justificais pela lei; da graça tendes caído." Gál. 5:4. A lei não justifica; revela o pecado e condena. 

O que cremos concorda com o que escreveu Calvino: "Onde há uma entrega a Cristo, há primeiramente que encontrar nEle a perfeita justiça da lei, que nos é imputada, tornando-se nossa; e depois há a santificação, pela qual os nossos corações são preparados para guardar a lei." (3) (Grifos nossos). 

Concorda com o artigo de fé sob N.º XII da Confissão Batista, que reza: "Cremos que a lei é a base eterna e imutável de Seu governo moral... que um dos principais objetivos do evangelho é o de libertar os homens do pecado e restaurá-los em Cristo a uma obediência sincera dessa santa lei ..." (4). (Grifos nossos.) 

Concorda também com a autorizada citação evangélica: "Somos salvos, não porque guardamos a lei, mas a fim de que guardemos a lei."(5) (Grifos nossos) 

Os nossos acusadores poderão interpelar um adventista batizado se ele crê que é salvo pela lei ou pela fé no Filho de Deus. É só experimentarem... Há perto de 100.000 adventistas do sétimo dia em nosso país. Seria mais decente fazer um teste sobre a nassa crença do que espalhar, pela imprensa e pela tribuna, aos quatro pontos cardeais, essa deslavada mentira de que nos justificamos pela lei e rejeitamos a graça. 

Afirma o líder adventista Nichol: "Conquanto nós não ensinemos que se guardem os mandamentos a fim de ser salvo, positivamente ensinamos que aquele que é salvo torna evidente a sua salvação guardando os mandamentos de Deus. Embora não haja salvação em guardar a lei, há condenação em não guarda-la." (6) Poderia alguém contestar essa verdade? 

O autor batista Broadus cita Henry, com referência ao Decálogo: "É coisa perigosa, em doutrina ou prática, anular o menor dos mandamentos de Deus; ou diminuir a sua extensão, ou enfraquecer as obrigações que eles impendem." (7) 

Outra fonte nossa: "A lei não pode salvar o pecador, mas estabelece uma norma para a vida do pecador salvo. Mostra ao transgressor o seu crime, mas não o salva. O espelho revela a mancha do rosto, mas não a remove; é a água que tira a impureza que o espelho revelou. A lei descobre o pecado e o sangue de Cristo lava o arrependido pela fé, das manchas da pecado." (8) 

"Talvez o fato do divino espelho revelar demasiado, seja a razão por que alguns se recusam a olhá-lo de novo, ou vão mesmo ao ponto de denunciar a lei e reunir argumentos com os quais possam votá-la ao desprezo." (9) 

Diz a Escritura: "Onde não há lei, também não há. transgressão." Rom. 4:15. Se não há transgressão, não há condenação e, portanto, não há necessidade de graça. Se a lei está abolida, não há pecado a revelar, e todos se salvarão, porque "o pecado não é imputado, não havendo lei." 

J. Bryan, Hon. Wm., certa vez, em uma das suas conferências declarou que "se sentiria muito inseguro em deixar sua carteira em alguma parte entre cristãos que não criam na autoridade e na vigência dos mandamentos de Deus, consubstanciados no Decálogo." 

Disse um pensador: "O Decálogo se vincula às nossas relações para com Deus e para com o próximo. Essas relações existirão sempre enquanto Deus for Deus e o homem, homem. Enquanto existirem essas relações permanecerá também a lei procedente das mesmas. Ver-se-á, pois, que, para abolir a lei, temas de primeiro abolir estas relações. Mas para tanto, precisamos abolir Deus e destruir todas as criaturas. Isto é impossível. Permanece, pois para sempre a verdade de que é mais fácil passar o céu e a Terra do que cair um til da lei. S. Luc. 16:17. Graças a Deus, Seu governo continuará e "para sempre permanecerão os Seus mandamentos" – mesmo que alguns o não queiram. Porque "a boca do Senhor o disse." (10)  

O comentador batista J. Broadus cita e endossa o que o Μιδραση refere sobre o gênesis: "Tudo tem o seu fim, o céu e a Terra têm o seu fim, só uma coisa não tem fim, que é a lei." "Os preceitos morais deviam ser obedecidos de geração em geração. Até que isto aconteça nem a menor partícula da lei seria anulada." (11) 

O maior desastre que sobreveio entre os professos cristãos, tem sida a negação da vigência do padrão moral de Deus. 

O anominianismo – tese que sustenta a ab-rogação da lei divina –teve desenvolvimento acentuado a partir de 1816, sob a influência notória de Alexandre Campbell, que rejeitava toda a autoridade do Velho Testamento e fazia tábua rasa da lei, tachando-a de velharia sem valor. Fora ele batista e, vendo malogrados os seus esforços para unificar o protestantismo, fundou a igreja "Discípulos de Cristo". A sua nuance teológica, notadamente o antinomismo, foi inspiração para alguns modernistas. Influenciou também Canright durante a sua apostasia. Ainda hoje a sua tese é emprestada aos ataques contra "os que guardam os mandamentos de Deus e a fé de Jesus." 

Pedimos aos nossos leitores que meditem nesta verdade: se a lei de Deus – padrão de conduta, aferidora do pecado e norma de juízo – pudesse ser abolida, não seria necessário ter vindo Cristo ao mundo, como "Varão de dores" e dar a Sua preciosa vida, morrendo por nossos pecados; bastaria abolir-se a lei, ou pôr de lado os mandamentos transgredidos pelo homem. Morrendo na cruz em nosso lugar, Cristo nos redimiu, não da obrigação de obedecer ao Decálogo, porém "da maldição da lei" (Gál. 3:15) que é a morte. Ao invés de revogar ou anular os Dez Mandamentos, o sacrifício de Cristo na cruz os confirmou em sua imutabilidade e em sua universalidade. 

A cruz do Calvário é o irrespondível argumento de que a lei de Deus não pode ser abolida. Pagaria Jesus a pena imposta por uma lei ab-rogável? Morreria Ele na cruz para satisfazer as exigências de uma lei imperfeita, falha, impotente, inútil, que estivesse para ruir? Ter-se-ia Cristo imolada para salvar o pecador de uma lei precária, só para judeus? Eu não sou judeu, mas creio que Cristo me resgatou da maldição da lei. 

"Pela lei vem o conhecimento do pecado" (Rom. 3:20) – escreveu Paulo várias dezenas de anos após a morte de Jesus. E entre os pecados de sua experiência pessoal que a lei revelara, cita o "não cobiçarás" do decálogo. "Pecado É transgressão da lei" I S. João 3:4. (Consultem-se as traduções Almeida revisada, Rohden, King James, Authorized Version, Giovanne Diodati, Lois Segand, Casidoro de Reina, etc.) "Pecado é quebramento da lei" – diz a tradução portuguesa Trinitária. Note-se que esta declaração escrita quase quarenta anos após a crucifixão não diz que o pecado era transgressão da lei, mas que É. Que lei? Certamente não se referia ao cerimonialismo judaico, já perempto, mas à lei moral, cuja súmula é o decálogo. 

E o teólogo batista é decisivo na sua definição: "Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei moral de Deus... (12) 

Mas se a lei foi abolida... nem pecado existe mais (porque não se pode transgredir o que não existe). 

Seria a lei de Cristo diferente e contrária à lei de Deus? Ter-se-ia Ele rebelado contra o Pai, anulando-Lhe a lei, ou substituindo-a por outra? Isto será o assunto de outro artigo, onde estudaremos o "novo mandamento' e as sínteses da lei na Novo Testamento. 

Seria o "novo nascimento" coisa diversa do que nortear a vida do salvo por Jesus, pelo caminha dos mandamentos? O convertida, o nascido de novo pela operação do Espírito, o salvo pela graça, seria capaz de se tomar idólatra, profano, desobediente, homicida, adúltero, mentiroso, perjuro e cobiçoso? Não, porque agora o "novo homem" está em harmonia com a lei que condena estes pecados. Ele observa estes mandamentos, por isso "nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus." 

Tal é a função da lei, como cremos. E os oponentes sinceros devem concordar com esta verdade. Devem admitir que ela não se distancia de autorizadas definições de fonte batista. Devem aceitar o fato de que fazemos um uso legítimo da lei e não – como deplora o pastor batista S. Gingsburg – "pregar a mentira de que a lei foi abolida." 


Referências: 


A. H. Strong, Systematic Theology, pág. 545 

Ibidem, pág. 409. 

John Calvin, Commentary, comments on Rom. 3:31 

Manual das Igrejas Batistas, ed. 1949, pág. 178 e O. C. S. Wallace, O que Crêem os Batistas, pág. 9 

Sunday School Times, ed. 30 de maio de 1931 

F. D. Nichol, Objeções Refutadas, pág 1 

J. Broadus, Comentário do Evangelho de S. Mateus, vol. I, pág. 173. 

G. Storch, Salvação, pág. 3. 

Exaltai-O, C. P. B, pág. 225. 

A Lei de Deus, série V. B., pág. 3. 

J. Broadus, op. cit., pág. 166. 

A. H. Strong, op. cit., pág. 549.