Entre as interessantes e inspiradoras histórias relatadas no Antigo Testamento, encontra-se uma um tanto peculiar. Está no livro de I Reis, capítulo 13. É a história do triste fim de um homem de Deus. Sua atuação como profeta fazia-se sentir nos dias do idólatra Jeroboão, rei de Israel.
Sua missão: desacreditar o rei perante seus altares idólatras e profetizar a vinda de Josias 300 anos mais tarde para pôr fim a essa prática. Imediatamente depois disso, o profeta anônimo deveria voltar para sua casa por um caminho diferente do qual o levara até Betel, a cidade idólatra. Não deveria deter-se em nenhum lugar para comer pão ou beber vinho (13:9), como fora a ordem do Senhor.
No caminho, porém, chegou-se lhe um velho profeta e, por tanto insistir e até mentir-lhe (v. 18), fê-lo mudar de idéia, desobedecer e cair no desagrado dAquele que o enviara.
O episódio sinistro ocorreu após ter ele saído da casa do
falso profeta, encontrando o resultado da desobediência nas garras de um leão.
Que contraste: pouco antes, um bem-sucedido profeta; agora, um cadáver na
estrada.
Esse episódio chega até nós como um testemunho de que acreditar gratuitamente em pretensas declarações inspiradas pode ser temerário. Tivesse o profeta de Deus se mantido firme na convicção de que a palavra do Senhor não poderia ser contradita, no dizer de Paulo, nem por "um anjo vindo do Céu" (Gál. 1:8), sua história teria sido contada com muito mais honra.
Repetidas vezes, seguimos o mesmo caminho pelo qual andou o
profeta de nosso texto. Ao dar ouvidos a conversas de fontes duvidosas, tão
abundantes em dias de engano e confusão religiosa, colocamos em risco o
fundamento de nossa fé individual e a unidade do pensamento e crença da Igreja.
Se não cultivarmos precisão quanto à confiabilidade das
fontes do que ouvimos e passamos adiante, seremos candidatos a crer e a
propagar afirmações que, embora inocentes e até piedosas a princípio, não
passam de implícitas distorções da verdade.
As consequências de tal procedimento hoje não são tão fatais
como o foram ao malfadado profeta de nosso texto, e trazem consigo uma carga de
tropeço e deletérias heresias para a Igreja.
Telefone sem fio
Pessoas famosas frequentemente têm distorcidas suas palavras (escritas ou faladas) e faz-se muita especulação sobre sua vida. Sobre Rui Barbosa, por exemplo, afirmou-se que para conseguir o progresso intelectual, fazia uso do café e de bacias de água fria onde mergulhava os pés com o fim de manter-se acordado estudando.
Leiamos o que ele respondeu: "Muitas lendas se têm levantado sobre excessos de minha vida laboriosa. ...Refratário sou ao café. Nunca recorri a ele como estimulante cerebral. Nem uma só vez em minha vida busquei num pedilúvio o espantalho do sono...devo o melhor dos meus frutos... às minhas madrugadas."1
Ellen G. White, via de regra, não passou incólume no
corredor dos especuladores. Desde os primórdios de sua produção literária,
houve pessoas que usaram seus escritos de forma distorcida, como é o caso
descrito no livro Testemunhos Para Ministros, pág. 57, de um certo irmão
Curtis, que forjou algumas de suas declarações para apoiar o que ele pensava e
as publicou em um periódico pioneiro, o Day-Star. Ao tratar desse tipo de
atitude para com os Testemunhos (termo usado para descrever as primeiras mensagens
do Espírito de Prof. Heber Pintos
Ellen G. White afirmou: "O Salvador ordenou aos Seus
discípulos: 'Atentai no que ouvis.' (Mar. 4:24). E Ele fala de uma certa classe
que ouve, porém não entende, a menos que se convertam e sejam curados.
Novamente Ele diz: 'Vede, pois, como ouvis.' (Luc. 8:18)."
Deixemos que ela mesma explique como ocorrem as distorções de
seus escritos: "Há muitos colocando sua própria interpretação sobre o que
ouvem, fazendo com que o pensamento se apresente totalmente diferente daquilo
que o autor se esforçou por expressar. Alguns, ouvindo através de seus próprios
preconceitos ou pressuposições, entendem o assunto como desejam que seja.
Novamente, uma expressão perfeitamente verdadeira e correta
em si mesma pode ser totalmente distorcida pela transmissão através de muitas
mentes curiosas, descuidadas e cavilosas. Pessoas bem intencionadas frequentemente
são descuidadas e cometem graves erros e não é provável que outros os relatem
mais corretamente. Alguém que não compreendeu o que o pregador queria dizer
repete uma observação ou declaração, dando-lhe seu próprio colorido.
Isso causa uma impressão sobre o ouvinte justamente de
acordo com seus preconceitos e imaginação. Esse relata a um terceiro que, por
sua vez, passa adiante; e, antes que qualquer um deles esteja ciente do que
está fazendo, têm realizado o propósito de Satanás em plantar as sementes de
dúvida, zelo e suspeita em muitas mentes.
Tipos de deturpações
Segundo os depositários dos escritos de Eilen G. White,
pessoas que estão responsáveis pela edição e publicação dos livros da Sra.
White, existem 5 tipos de citações apócrifas, declarações erroneamente
atribuídas a ela. Algumas dessas citações apócrifas não são muito conhecidas no
Brasil; outras são comuns. Mas aproveitamos a oportunidade para apresentar a
verdade antes mesmo que apareça a distorção.
1. Testemunhos dependentes inteiramente da memória. A
memória, como todos já sabemos por experiência própria, não é confiável. E é
exatamente nesse processo de ouvir e passar adiante que surgem algumas citaçõe
s apócrifas.
Vejamos um exemplo: Haverá uma refeição sabática em outro
planeta. Refere-se a um relato, baseado na memória, de que Eilen G. White
afirmou em uma conversa num jantar que os habitantes de outros mundos estão
ajuntando frutas para o sábado em que os santos trasladados, que viajam rumo ao
Céu, passarão por ali. A única afirmação sobre o assunto está em Primeiros
Escritos, pág. 16, que diz: "Todos nós entramos na nuvem e estivemos sete
dias ascendendo para o mar de vidro..."
2. Associação de ideais.
Associações exageradas de declarações ou ideias específicas,
aplicadas a contextos gerais ou vice-versa. Jesus virá após 6.000 anos de
pecado. A presente questão tem sido assunto para várias especulações e teorias.
Uma das declarações encontradas no livro O Grande Conflito, à página 665, diz:
"Durante seis mil anos, o seu cárcere [o sepulcro] recebeu o povo de Deus e ele os queria conservar cativos para sempre; mas Cristo quebrou os laços, pondo em liberdade os prisioneiros."
Estaria Eilen G. White marcando um tempo específico para a
vinda de Cristo? A explicação pode ser encontrada aceitando-se o fato de que
Eilen G. White não estava usando o cômputo dos seis mil anos para determinar o
fim do mundo. Os seis mil anos faziam parte da cronologia de um arcebispo do
século XIX chamado Ussher, que datava a Criação em 4.004 a.C.
A falha de sua cronologia é que esta se baseava
principalmente nas genealogias bíblicas, o que não é nem um pouco confiável
devido à variação na sequência dos nomes. Veja, por exemplo, as diferenças
entre a cronologia de Mateus 1:8 e I Crônicas 3:10-12.
A cronologia de Ussher era a melhor disponível entre as mais
de 120 existentes em sua época. Suas datas podiam ser vistas na margem da
Bíblia de Eilen G. White. Eilen G. White, assim como os escritores bíblicos,
teve a inspiração dinâmica, ou seja, cremos que a inspiração atuou sobre ela e
não em suas palavras. Deus não ditou a Seus profetas as palavras que deveriam
escrever.
Portanto, o que ela escreveu é fruto de uma pessoa inspirada.4 Há exemplos de equívocos por parte dos escritores bíblicos ao tratarem de assuntos que não eram essenciais à salvação como, por exemplo, Mateus citando uma profecia de Zacarias como sendo de Jeremias (Mat. 27:9 e Zac. 11:12 e 13) e os escritores do Novo Testamento, que citaram traduções gregas inferiores ao original hebraico.
Deus os conduziu a usarem o melhor
disponível em seu tempo e assim também foi com Eilen G. White. Ela não
pretendia ser autoridade em termos de história ou cronologia e precisou
pesquisar. Como afirmou seu filho, William White: "Mamãe nunca desejou que
nossos irmãos os considerassem (seus escritos) como autoridade no tocante a
pormenores da História ou de datas históricas."
O cômputo em discussão foi utilizado por Eilen G. White como
ênfase literária. As declarações que se valem dos 6.000 anos para a idade da
Terra querem apenas enfatizar a duração temporal do pecado, ou reforçar o longo
período em que Satanás esteve atuante na Terra. Situação dos alunos nos
colégios. Afirma-se que a Sra. White ensinou que se Jesus voltar enquanto
jovens adventistas estão na escola, serão considerados como obreiros das searas
do Senhor. Sobre 9 assunto, não há nada publicado.
O Índice Para os Escritos de Ellen G. White (pág. 3.190)
cita o conceito correto que produziu a associação de ideias no livro O Desejado
de Todas as Nações, pág. 74. "Quando trabalhava ao banco de carpinteiro,
fazia tanto a obra de Deus, como quando operava milagres em favor da multidão.
E todo jovem que segue o exemplo de Cristo na fidelidade e obediência em Seu
humilde lar, pode reclamar aquelas palavras proferidas a respeito dele, pelo Pai,
por intermédio do Espírito Santo: 'Eis aqui o Meu Servo a quem sustenho, o Meu
eleito, em quem se compraz a Minha alma.' Isa. 42:1."
3. Textos extraídos do contexto. Essa prática é muito comum
entre os que querem provar alguma ideia própria que seja supostamente inferida
de alguma declaração da Sra. White. Retiram então uma frase do contexto e
citam-na isolada. Então, ao serem defrontados com um possível engano,
justificam: "Bom, se Ellen White não disse isso, deveria ter dito..."
E regra áurea da hermenêutica (interpretação do sentido das
palavras) que o contexto deve ser considerado como decisivo para a compreensão
de alguma frase ou ideia, seja bíblica ou do Espírito de Profecia. Eilen
descreve indivíduos "pegando uma sentença aqui e ali, tirando-a de sua
devida relação e aplicando-a segundo sua ideia." 6 Vinda de Cristo à
meia-noite.
Frequentemente ouvimos a dúvida: "Não declarou Ellen G.
White que Cristo voltará à meia-noite?" Faz-se necessária uma leitura do
livro Primeiros Escritos, pág. 285, onde ela afirma: "Foi à meia-noite que
Deus preferiu livrar o Seu povo."
A libertação a que ela se refere é da sentença de morte
contra o povo de Deus. Os eventos seguintes ocorrem em rápida sucessão até que
"Surge logo no Oriente uma pequena nuvem negra, aproximadamente da metade
do tamanho da mão de um homem."7 (Grifo acrescentado). Veja O Grande
Conflito, págs. 642-646
"Ovos não deveriam ser servidos em vossa mesa."
Essas palavras foram escritas em um testemunho pessoal e específico de Eilen G.
White ao irmão e irmã E, registrado no livro Testimonies, vol. 2, pág. 400.
Os filhos do casal tinham tendências imorais que seriam estimuladas ainda mais pelo uso de ovos. Eilen G. White complementa a idéia declarando que as crianças com tais tendências deveriam ter uma dieta simples, sem a presença de alimentos de origem animal.
Se retirarmos essas palavras de
seu contexto, produziremos uma contradição da posição apresentada no livro A
Ciência do Bom Viver, pág. 320, onde ela recomenda o uso de "ovos de aves sadias
e bem alimentadas e cuidadas". Eilen G. White entre os 144.000. Em nenhum
dos escritos de Eilen G. White, encontramos uma só declaração de que ela
estaria com certeza entre os 144.000.
Como registrado em Primeiros Escritos, pág. 40, o anjo lhe
assegurou: "Se fores fiel, juntamente com os 144.000 terás o privilégio de
visitar todos os mundos e ver a obra das mãos de Deus." (Grifo
acrescentado). A promessa era condicional, dependia de sua fidelidade. Veja
também Mensagens Escolhidas, vol. 2, pág. 263.
Ordenação de mulheres.
Ellen G. White escreveu em 1895: "As mulheres que
estivessem dispostas a dedicar algum tempo ao serviço do Senhor deveriam ser
designadas para visitar os enfermos, cuidar dos jovens e ministrar às
necessidades dos pobres. Deveriam ser separadas para essa obra pela oração e
imposição de mãos."
Com efeito, Eilen G. White não estava endossando a ordenação
de mulheres ao ministério e sim a dedicação de diaconisas. Ela mesma rejeitou
uma credencial que continha a designação de "Ministra ordenada". A
palavra "ordenada" foi então cuidadosamente riscada da credencial.
4. Declarações falsamente atribuídas a Eilen G. White. Houve
também quem tivesse o cuidado de "escolher" passagens publicadas na
Review (revista pioneira da Igreja), usando-as de forma adulterada.
Até mesmo declarações, provérbios e ditados de outros
autores foram atribuídos a Eilen G. White, como o exemplo seguinte: Provérbio
cristão. A bela e inspiradora frase: "Quando olho para mim mesmo, não vejo
como me salvar, quando olho para Cristo, não vejo como me perder", frequentemente
citada como sendo de Eilen G. White, na verdade foi proferida pelo grande
reformador Martinho Lutero.
Eilen G. White faz em seus escritos aproximadamente 700 referências a "olhar para Cristo", mas não nessa exata sequencia de palavras. Filhos desviados voltando à Igreja no fim dos tempos. Essa declaração já é bem conhecida do Centro de Pesquisas Eilen G. White, sediado no IAE-Campus Central.
Fazem-se referência s à Review and Herald, de 1890, 1898 e 1912. A questão
é sobre a última obra intercessória de Cristo no Santuário Celestial como sendo
em favor dos jovens que saíram da Igreja. Essa afirmação não foi encontrada em
nenhum dos escritos de Eilen G. White.
A possível fonte para esse mal-entendido encontra-se no
livro Testimonies, vol. 6, pág. 401: "Quando a tempestade da perseguição
realmente se abater sobre nós, ... muitos que se desviaram do redil voltarão
para seguir o grande Pastor." Amém! Planos terrestres e a vinda de Cristo.
O interessante conselho para vivermos "como se Cristo viesse daqui a 100 anos e estar preparados como se Ele viesse hoje", originou-se nos escritos de Ann Lee9 , membro de um grupo religioso chamado shakers, e não nos escritos de Eilen G. White.
Ela declarou sim, no livro
Testimonies, vol. 5, pág. 200: "Deveríamos vigiar e trabalhar como se esse
fosse o último dia que nos fosse concedido." Sinal indicando o fechamento
da porta da graça. Declaração falsamente atribuída a Eilen G. White publicada
num suplemento da Review and Herald de 21 de junho de 1898, afirmando que uma
escuridão literal cobrirá a Terra como sinal para o povo de Deus de que a porta
da graça se fechou.
A declaração foi disseminada por um Pastor Adventista do
Sétimo Dia. Tal ensino é contrário à sua afirmação no livro O Grande Conflito,
pág. 615: "Quando a irrevogável decisão do Santuário tiver sido
pronunciada e o destino do mundo tiver sido para sempre fixado, os habitantes
da Terra o saberão."
5. Pura ficção. Declarações completamente espúrias, sem
nenhum vestígio sequer de referência feita por Eilen G. White, como a tão
famosa declaração de que: Igrejas inteiras juntamente com seus pastores se
perderão. Nem mesmo por associação de ideias poder-seia inferir algo tão
fatalista assim.
Tal afirmação é completamente objetável. Veja o capítulo
sobre a "Sacudidura" no livro Primeiros Escritos, págs. 269-273. O
livro Testimonies, vol. 8, pág. 41, assim diz: "Fileira após fileira do
exército do Senhor se unia ao inimigo e companhia após companhia das fileiras do
inimigo se unia ao povo de Deus que guarda os Seus mandamentos."
O apóstolo Pedro, conhecendo o perigo de a verdade ser
deturpada entre os membros da Igreja Cristã primitiva, escreveu-lhes em sua
segunda carta, capítulo 3, versos 15 e 16: "... Paulo vos escreveu segundo
a sabedoria que lhe foi dada, ao falar desses assuntos, como de fato costuma
fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de
entender que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais
Escrituras, para a própria destruição deles."
E ele adverte no verso 17: "Vós, pois, amados,
prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que, arrastados
pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza; antes
crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo."
Ofereço a oportunidade de concluir este artigo à própria
Sra. White: "E agora, a todos os que anseiam pela verdade, eu diria: Não
deis crédito a relatos não autenticados a respeito do que a Irmã White disse ou
fez. Se desejais saber o que o Senhor revelou através dela, lede suas obras
publicadas. Se houver algum ponto de interesse a respeito do que ela não
escreveu, não tomeis o relato ansiosamente, disseminando rumores quanto ao que
ela disse.
Artigo publicado na Revista Adventista ano 1995