36 A NATUREZA DO HOMEM SEGUNDO A BÍBLIA

SUBTILEZAS DO ERRO


"DEUS fez o homem de dois elementos: 1.º, 'pó da terra' ou corpo, e 2.º, 'fôlego da vida' ou espírito, que juntos formaram uma 'alma vivente', como se vê claramente nesta passagem: 'E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi feito 'alma vivente' (Gên. 2:7). Aqui, como em outras passagens da Bíblia, a palavra 'alma' abrange o ser humano todo, tanto corpo como espírito." 


Estas palavras que se acham à página 95 do livro a que estamos respondendo levam nosso pleno endosso. Essa é a verdade, que o oponente reconhece. Diz a seguir que "a idéia que o povo em geral tem da palavra "alma" é da parte invisível do homem. Acrescentamos que essa idéia popular não veio da revelação divina mas sim dos povos pagãos da mais remota antigüidade, penetrou na igreja apostatada, infiltrou-se na teologia cristã e chegou até nós com foros de verdade bíblica. 


"A doutrina da imperecibilidade da alma não é bíblica mas pagã. Nasceu na Grécia e propagou-se na Igreja, através de Platão, do século V em diante, graças à influência de Agostinho. A doutrina de sua natureza simples, uma, indivisível etc., não se mantém diante das concepções psicológicas modernas e da teoria mais racional acerca da propagação do ser humana, corpo e alma." (1) 

Essa afirmação é do saudoso mestre e amigo Prof. Otoniel Mota, eminente pastor presbiteriano e leva também nossa pleno endosso. 

O homem não possui imortalidade inerente, própria, natural. Ele só adquirirá o toque da imortalidade, se for crente, por ocasião do arrebatamento, na primeira ressurreição, quando Cristo vier buscá-lo. Ler atentamente I Cor. 15:51-54; 1 Tess. 4:15-17; S. João 5:28 e 29. Diz a Bíblia que unicamente Deus possui a imortalidade. I Tim. 6:16; 1:17. Logo, o homem é mortal. Quando criado, tinha a imortalidade sob condição, que não soube manter, pois o pecado sujeitou-o à marte. E isto se transmitiu a todo o gênero humano. 

O Dr. George Dana Boardman (1828-1903), Pastor da Primeira Igreja Batista de Filadélfia, instituidor da famosa "Boardman Foundation of Christian Ethics" na Universidade de Pensilvânia, escreveu no ano de 1880 um livro interessante intitulado Studies in the Creative Week, e nessa obra, abordando o assunto da imortalidade, afirma textualmente: 

"Do Gênesis ao Apocalipse, nem uma só passagem – quanto eu saiba – ensina a doutrina da imortalidade natural do homem. Por outro lado, o Livro Santo declara, com ênfase, que somente Deus tem a imortalidade (I Tim. 6:16); quer dizer: Deus exclusivamente possui a imortalidade inerente, em Sua própria essência e natureza imortal.... 

"Se, puis, o homem é imortal, é porque a imortalidade lhe foi outorgada. Ele, então, é imortal, não porque fosse criado nessa condição, mas porque se tornou assim, sendo sua imortalidade derivada dAquele que tem, Ele só, a imortalidade. Com relação a este fato, tudo indica que a árvore da Vida no meio do jardim do Éden fora designada como símbolo e garantia. Que este é o significado da Árvore da Vida é evidente das palavras finais do registro da Queda: 'Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem é como um de Nós, sabendo o bem e o mal; ora, pois, para que não estenda a sua mão, e tome também da Árvore da Vida, e coma e viva eternamente, o Senhor Deus, pois, o lançou fora do Jardim do Éden... E havendo lançado fora o homem, pôs querubins ao oriente do Jardim do Éden, e uma espada inflamada que andava ao redor, para guardar o caminho da Árvore da Vida.' (Gên. 3:22-24). Se o homem é inerentemente imortal, que necessidade havia da Árvore da Vida? Isto se nos afigura bem claro: a imortalidade era, por qualquer razão, simbolicamente condicionada ao comer da misteriosa Árvore, e a imortalidade se destinava ao homem integral – espírito, alma e corpo." –Studies in the Creative Week, págs. 215 e 216. 

Aí está outro depoimento que leva nosso endosso, com a ressalva de que o fato não foi apenas simbólico, mas real.  O que o homem possui é o "fôlego da vida" ou "vida" (o que dá animação ao corpo), que lhe é retirado por Deus, quando expira. E o fôlego é reintegrado no ar, por Deus. Mas não é entidade consciente ou o homem real como querem os imortalistas. 

Pretendendo contrarrestar os claros ensinos da Palavra de Deus, o autor alinha alguns textos bíblicos, que vamos considerar sucintamente: 

1°. – "E o pó volte à terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu." Ecles. 12:7. "Ao sair-lhe a alma ..." Gên. 351:18. "... a alma deste menino" "... a alma tornou a entrar nele" I Reis 17:21 e 22. Com isto pretende provar que o homem tem natureza dupla, corpo e alma. Mas na verdade o "espírito" ou "alma" não tem o sentido que a teologia popular lhe atribui, mas sim, "vida", "fôlego", "sopro", "respiração". 

Ao nascer o homem, recebe de Deus o "fôlego de vida" (Gên. 7:22), que ao morrer não poderá reter e retorna para Deus. "Se lhes cortas a respiração, morrem, e voltam ao seu pó" (Sal. 104:29). Sim, o fôlego da vida (e não uma entidade consciente) é recolhido por Deus quando o homem morre, para reintegrá-lo no ar. Na ressurreição, Deus soprará de novo o fôlego da vida nos mortos. "Se Deus... para Si recolhesse o Seu espírito e o seu sopro... o homem voltaria para o pó." Jó 34:15 e 16. 

Espírito e sopro (ou fôlego) são uma coisa só, e aqui são citados para reforço. Se isto fosse uma entidade real e consciente, então se localizaria no nariz da homem o que é absurdo. Gên. 2:7, 7:22; Isa. 2:22. Mas toda a confusão desaparece se traduzirmos os termos em lide por "vida", "fôlego". O pó volta à terra, e o fôlego é recolhido por Deus "que o deu". Se, como quer o autor, "o espírito volta a Deus," então também veio de Deus, pois uma coisa só volta de onde veio. Aí já se terá que admitir a preexistência da alma consciente, isto é, todos nós já existíamos antes de nascermos aqui na Terra. Ora, isto seria o maior dos absurdos. 

Ainda mais, o texto diz, de maneira genérica, que todo o pó volta à terra, como o era, e logicamente toda a alma ou espírito (como quer o oponente) para Deus. Notemos bem: "para Deus". Então, sejam bons ou ímpios, vão fatalmente para Deus quando morrem, isto é, terão todos o mesmo destino, com a salvação garantida. Por onde se vê a falácia do argumento. Era este fôlego que Estêvão e Cristo não podendo reter, quando estavam prestes a expirar (e expirar significa soltar o fôlego, exalá-lo definitivamente), pediram ao Pai que o recebesse de volta. (Atos 7:59 e S. Luc. 23:46). Mas não era parte consciente, pois Cristo, dias depois, ressurreto, dissera: "Ainda não subi para Meu Pai." 


2°. – "Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo." S. Mat. 10:28. Quer provar, com este texto que há corpo e alma imortal. Mas se o texto prova alguma coisa é que a alma é perecível, pois diz "perecer... a alma e o corpo. Alma aqui tem o sentido de "vida," a "natureza espiritual do homem." Temos a promessa da vida eterna que os ímpios não nos podem tirar, ainda que nos matem, e neste sentido é que eles não nos podem matar a alma. Se somos crentes fiéis a Deus, ainda que nos matem, não pereceremos. "Espírito, alma e corpo" é uma forma redundante e enfática de definir a personalidade integral do homem. 


3.º – "... um espírito não tem carne nem ossos". S. Luc. 24:39. Os atemorizados discípulos, descrentes na ressurreição de Cristo, julgavam ver uma "aparição" e não uma pessoa física. Quando Jesus andava sobre o mar, também julgavam ver um "fantasma" ou "espírito" conforme a crença popular. E o conspícuo comentarista batista Broadus nos confirma: 

"Os discípulos criam em aparições, como também os judeus (excetuando-se os saduceus), e todas as nações parecem naturalmente inclinadas a essa crença. A opinião dos apóstolos, naquele tempo, não tem autoridade para nós, uma vez que eles ainda nutriam muitas noções errôneas, das quais só foram libertados pela subseqüente inspiração do Confortador que lhes fora prometido." (2) 

Também o notável Willinston Walker, em sua obra de história eclesiástica, falando da idéia da imortalidade natural, registra: 

"Os fariseus ensinavam a existência de espíritos tanto bons como maus ... opinião que recebeu grande impulso das idéias pérsicas. Acreditavam [os fariseus]... no galardão e suplício eterno, idéias que tiveram grande desenvolvimento nos dois séculos antes de Cristo... Os discípulos de Cristo saíram da camada religiosa imbuída destas idéias." (3) 

Aí está a gênese da idéia pagã imortalista que se infiltrou na teologia popular cristã. Segundo a Bíblia, Deus é espírito, os anjos são seres-espíritos, mas nunca o homem. 

A palavra "espírito" (em hebraico neshamah ou ruach e em grego "pneuma") é empregada nas Escrituras com diversidade de sentidos, como "faculdades morais e intelectuais, índole, caráter, pensamento etc." (Alguns poucos exemplos: Sal. 51:10; Isa.19:14; Ezeq. 11:5; S. Luc.1:17; 1 Cor. 4:21; Filip. 1:27; II Tim.1:7; S. Tia. 3:16, e outros passos). Com o sentido de "ânimo e energia": Gên. 45:27; Juí. 15:19; Jó 17:1; Sal. 143:7. Com o sentido de "fôlego": Jó 14:10; Ecles. 12:7; Sal. 146:4; S. Luc. 8:55; S. Tia. 2:26; Apoc. 11:11, e outros passos. Com o sentido de "vida": Jó 12:10; 1 Cor. 5:5; Apoc. 13:15, além de outros lugares. Com o sentido de "poder divino": Gên. 1:2; Isa. 44:3; Isa. 61:1; 1 Cor. 6:19, e outros passos. Com o sentido de "anjo": II Crôn. 18:18-20; Atos 8:26 e 29; Heb. 1:13 e14.) No entanto em nenhum caso "espírito" significa "entidade abstrata e imortal, que sobrevive à matéria." 

A palavra "alma" (em hebraico nephesh, e em grego psyché), também tem largo emprego na Bíblia, ora significando "vida", "pessoa", "criatura". E aqui reconsideramos os textos apresentados pela oponente: Gên. 35:18: "Ao sair-lhe a alma (porque morreu) ..." Moffatt traduz assim: "E foi-se a vida dele (pois morreu)..." E I Reis 17:22, que trata da ressurreição do filho da viúva de Sarepta, Moffatt traduz: "... a vida do menino voltou, e ele reviveu". Jamais tem o sentido de "entidade consciente e imortal". Isto é puro paganismo que as denominações populares não fazem mais do que repetir, através de sua cediça e mofada teologia! 


4°. – "Ora, Deus não é Deus de mortos, porém de vivos; porque para Ele vivem todos." S. Luc. 20:38. Quer o oponente que isto prove a imortalidade do homem, e para isso foge da realidade dos fatos. Aos saduceus que negavam a ressurreição, Jesus diz: "E acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou...." S. Mat. 22:31, e conclui: "Deus não é Deus dos mortos, mas dos vivos." Cristo de modo algum Se referia à continuação da vida após a marte, mas à ressurreição, significando claramente ser a ressurreição a única parta pela qual os mortos poderão voltar à vida. Para que torcer o que está claro? 


Referências: 


Otoniel Mota, Meu Credo Escatológico (opúsculo), ed. 1938, pág. 3. 

Broadus, Comentário ao Evangelho de S. Mateus, vol. II, pág. 56. 

W. Walker, História da Igreja Cristã, pág. 21.