26 ALTERAÇÕES E INOVAÇÕES DOUTRINÁRIAS

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Com o repentino falecimento de Russel, o manto pontificial da Sociedade Torre de Vigia, foi, de bom grado, aceito por José Franklin Rutherford, apesar de ter de enfrentar alguma resistência de certas áreas do movimento. 


O antigo advogado da entidade era conhecido por "Juiz", pelo fato de ter exercido par algum tempo o cargo de juiz da Oitava Vara Judicial do Foro de Boonville (Eight Judicial Circuit Court of Boonville), no Estado de Missouri. 


Era um tipo imponente. Bem apessoado, altivo, usando colarinho alto "à Rui Barbosa", gravata borboleta, monóculo, bengala, quase sempre enfarpelado num fato escuro, dono de uma voz potente e bem entonada, era, de fato, uma personalidade insinuante. 


Contra ele, no entanto, pesam duas acusações sérias: a de uso excessivo de bebidas alcoólicas, e a de empregar linguagem dura e inconveniente, principalmente quando se encolerizava. 


Dois anos depois de empossado na suprema direção do movimento jeovista, foi preso e remetido à Penitenciária Federal de Atlanta por violação da chamada "Lei da Espionagem", ou como consta do Processo, "por aconselhar a evasão ao recrutamento militar durante a Primeira Grande Guerra". Foi solto em 1919, e soube capitalizar o episódio, retornando com ares de mártir e de herói. 


Rutherford não era menos enfatuado nem menos presunçoso do que Russell. Por exemplo, no livro Why Serve Jehovah? (Por que servir a Jeová?), página 62, ele declara, cheio de empáfia, ser o próprio "intérprete de Jeová para esta época" e que Deus designou suas palavras como "palavras que são a expressão do mandato divino". Aos que dele discordavam, ameaçava com a condenação, isto é, que "não sobreviveriam ao Armagedom". 


Russell havia elaborado uma complexa tabela profética para apurar a data da volta de Cristo, baseada nus medidas da Grande Pirâmide do Egito. Rutherford sempre havia concordado com o disparate, que fora reeditado na reimpressão do Studies in the Scriptures por ordem do mesmo Rutherford, mas apercebendo-se da fragilidade dessa fantasia, foi aos poucos lançando descrédito sobre ela, e em 1929, com grande alarde, anunciou que essa idéia devia ser definitivamente abandonada pelos seguidores de Jeová. 

Houve tremendo rebuliço nos arraiais russelitas. Mas Rutherford não admitia divergências. Era despótico, e nessa ocasião demonstrou mais uma vez sua dominação unipessoal. Ao denunciar o esquema "piramidal" de Russell, averbando-o de "frustrada tentativa de buscar a vontade de Deus fora das Escrituras", milhares, milhares mesmo de seguidores daquela teoria abandonaram o movimento devido às explosões coléricas do "Juiz" que os ameaçou de "sofrerem a destruição caso não se arrependessem e reconhecessem a vontade de Jeová expressa mediante a Sociedade de que ele era Presidente". Há menção deste fato no livro O Reino, página 14, escrito por Rutherford em 1933. 

Para impressionar seus adeptos com um sinal visível de que a Saciedade era autêntica representação divina na Terra, nesse mesmo ano J. F. Rutherford decide construir na Califórnia a riquíssima mansão denominada Bet-Sarim para ser futura morada dos fiéis da antigüidade ressuscitados, na mais desbragada exploração da credulidade pública de que se tem notícia. Para os leitores que não estejam muita propensos a crer neste absurdo, o fato é que dita mansão foi mesmo construída, e nela habitou e faleceu o "Juiz". Mas a melhor prova, achamo-la no transcrito do livro Salvação, páginas 275 e 276, editado pelos jeovistas: 

"Em San Diego, Califórnia, Estados Unidos, há um terreno pequeno, no qual, em 1929, construiu-se uma casa, que se conhece como Bet-Sarim. As palavras hebraicas Bet-Sarim significam 'Casa dos Príncipes'; e o intento de adquirir essa propriedade e edificar a casa foi para que houvesse alguma prova tangível de que existem pessoas na Terra que acreditam em Cristo Jesus e em seu reino, crendo que os fiéis da antigüidade serão brevemente ressuscitados pelo Senhor, voltarão à Terra, e se encarregarão dos negócios visíveis da Terra. A escritura de Bet-Sarim está feita em nome da Watch Tower Bible & Tract Society, para ser usada presentemente pelo presidente da Sociedade e seus adjuntos, ficando depois disso para sempre à disposição dos Príncipes da Terra acima mencionados (...). Ela ali permanece como um testemunho ao nome de Jeová; e quando os príncipes voltarem, se alguns deles fizerem uso dessa propriedade, isso confirmará a fé e a esperança que induziu a edificação da Bet-Sarim". 

Sem comentários, a não ser dizer que os grifos são nossos. 

E Rutherford viveu plácida e nababescamente naquela riquíssima mansão. Por algum tempo manteve, in totum, as doutrinas de Russell, mas notando que muitas delas eram insustentáveis, foi introduzindo alterações. À guisa de exemplo, citamos a seguinte: 

Motivado pelo fato de, em 1914, não ter ocorrido o que Russell havia inicialmente profetizado no Vol. III de Studies in the Scriptures, de Russell, edição Brooklyn 1801, e reimpressa em 1910, à página 228 há a seguinte passagem: 

"Torna-se manifesto que o livramento dos santos terá de se realizar ANTES do ano de 1914. (...) Sobre quanto tempo ANTES de 1914 os últimos membros vivos do corpo de Cristo serão glorificados, não temos informações precisas". 

Pois bem! O mesmo trecho, no III Vol. de Studies in the Scriptures, de Russell, na edição de 1923, em plena era rutherfordiana, foi alterado e acha-se expressa nestes termos: 

"Torna-se manifesto que o livramento dos santos terá de se realizar logo DEPOIS do ano de 1914. (...) Sobre quanto tempo DEPOIS de 1914 o último membro vivo do corpo de Cristo será glorificado, não temos informações precisas". 

Não vamos comentar. Apenas devemos dizer que os grifos e versais foram por nós acrescentados para realçar o contraste. 

O que Russell havia, de início, profetizado para 1914 era simplesmente o estabelecimento literal e material e visível do reino de Cristo, e a destruição deste mundo. Como nada disso ocorresse, então o próprio Russel ensaiou outra hipótese: de que em 1914 foi o fim cronológico do "tempo dos gentios". E assim, lançou a semente da idéia de que a profecia devia passar de um plano material para um plano espiritual. Rutherford, hábil advogado, aproveitou a idéia, desenvolveu-a, deu-lhe novas roupagens, transformando-a em dogma da seita. 

No depoimento de William J. Schnell, ex-testemunha de Jeová, que por trinta anos esteve integrado no movimento russelita, "Russell organizara um gráfico denominado 'O Plano Divino Sobre as Eras' que apontava para 1914 como a data fatal do fim do mundo e da ascensão corporal de todos os santos que pertenciam à Torre de Vigia, datando daí também o começo da batalha do Armagedom". 

Ora, Rutherford resolveu modificar a interpretação dos "acontecimentos de 1914", formulando a seguinte doutrina até hoje em vigor entre os jeovistas: 

"Cristo Jesus, de fato, retornou à Terra em 1914, porém de maneira invisível, e em 1918 entrou subitamente no Seu templo. Essa segunda parte da 'profecia', Rutherford baseou nas Palavras de Mal. 3:1: "(...) de repente virá ao Seu templo o Senhor (...)". 

A informação é do ex-jeovista Schnell (Another Gospel, p. 9). Rutherford tanto ficou induzido pela idéia de que em 1914 despontara a era milenial e já era caminho para o final Armagedom que, em 1920, em seu famoso livro Milhões que Agora Vivem Jamais Morrerão, profetizou, sem a menor cerimônia, que no ano de 1925 Abraão, Isaque e Jacó e outros fiéis ressuscitariam fisicamente como representantes da nova ordem. 

Se os leitores não estão propensos a crer nesse disparate, aí vai a reprodução do que se acha à página 88 do citado livro: 

"A principal coisa a ser restaurada é a raça humana, restaurada à vida; e uma vez que outros textos da Escritura afirmam claramente que haverá ressurreição de Abraão, Isaque e Jacó além de outros fiéis da antigüidade, e que estes serão os primeiras favorecidos, podemos esperar que o ano de 1925 testemunhe a volta das fiéis homens de Israel do estado da morte, sendo ressuscitados e plenamente restaurados à perfeita humanidade, e tornados visíveis, representantes legais da nova ardem de coisas na Terra". – (Grifos nossos).

E não é só. O mesmo disparate acha-se repetida nas páginas seguintes: 

"Podemos esperar confiantemente que 1925 assinale a volta de Abraão, Isaque e Jacó e as fiéis profetas da antigüidade. (...) Está a entrar a nova ordem e 1925 assinalará a ressurreição dos fiéis a dignatários de outrora e o início da reconstrução (...) é razoável concluir que milhões de pessoas agora na Terra nela ainda se acharão em1925. Então, baseados nas promessas salientadas na Palavra divina, podemos chegar à conclusão positiva e inquestionável de que milhões dos que agora vivem jamais morrerão". – Idem, pp. 89, 90 e 97. 

Desnecessário será dizer que tal não ocorreu. 

Em 1933 houve certa onda de perseguições contra as "testemunhas" (pois a partir de 1931 passaram a adotar a denominação de "testemunhas de Jeová" numa vã tentativa de apagar o ranço russelita do movimento). Reagindo violentamente, o "Juiz" desafiou o Papa ou qualquer purpurado da Igreja Romana a debater com ele o problema das "testemunhas". (Ver Religious Intolerance – Why? [Por que a Intolerância Religiosa?] p. 41). 

Ninguém o tomou a sério. Foi ignorado, e isso o deixava impaciente e nervoso, a proferir e gravar mensagens grosseiras e violentas. Não encontrando eco às suas pretensões, desafiou também o Concílio Federal das Igrejas de Cristo nos Estados Unidos (protestante) para um debate no rádio. A resposta foi o silêncio. Era como se não existisse o "Juiz" e suas fanfarronices! 

Em 1939, demitiu injustamente, por mera perseguição, o chefe do departamento legal das "testemunhas", Sr. Olin Moyle. O prejudicado, em represália, moveu ação de difamação contra Rutherford e contra vários membros da diretoria da Sociedade Torre de Vigia, e ganhou a ação no Judiciário em 1944 (dois anos após a morte de Rutherford, vitimado de câncer) e a Sociedade Torre de Vigia, com a pecha de caluniadora, teve de pagar a Moyle 25.000 dólares por perdas e danos. 

Sucedendo a Rutherford em 1941, empossou-se como Diretor da Sociedade Torre de Vigia o Sr. Nathan Homer Knorr, responsável pela Escola de Treinamento Missionário de Gilead (South Lansing, NY). Organizou a monumental concentração jeovista em agosto de 1958 no Yankee Stadium, onde se reuniram 252.000 pessoas (ver reportagem em "Seleções" de outubro de 1958). 

Knorr aceitou o russelismo em 1911, esteve no movimento nas fases de Russell e de Rutherford. Era empacotador de livros na sede da Sociedade em Brooklyn. Em 1932 tornou-se gerente geral dos escritórios de publicidade de Brooklyn. Em 1934 foi eleito membro da diretoria da Sociedade, até que em 1942 foi guindado à Presidência onde se mantém. 

E exatamente neste ano surgem as primeiras manifestações de uma nova doutrina, estranha ao próprio Rutherford. Cochichava-se nos corredores da sede da organização Torre de Vigia que a transfusão de sangue era proibida pela Bíblia. Pode-se afirmar, com segurança, que oficialmente a doutrina da "transfusão de sangue" entrou na teologia jeovista no dia 1.º de julho de 1945, quando pela primeira vez, o órgão da entidade, The Watch Tower, trata abertamente do assunto num artigo intitulado '"Santidade do Sangue", afirmando entre outros disparates que "a transfusão do sangue humano constituía violação do concerto de Jeová, mesmo quando está em jogo a vida do paciente". 

Isto levantou uma onda de protestos das associações médicas americanas. O noticiário dos jornais de várias partes do mundo acha-se repleto de episódios em que pacientes jeovistas morreram por não permitirem a transfusão salvadora. Preferem morrer, e também deixar os outros morrerem, mas não admitem a transfusão de sangue. 

Para finalizar, mais duas palavras ainda sobre o segundo presidente. A eleição de Rutherford, feita na base da cabala – segundo nos informa Paul S. L. Johnson, em "Merariism" (Vol. VI de Epiphany Studies in the Scriptures), deu origem a uma cisão na seita, da qual resultaram várias ramificações: "The Dawn Bible Students" (os "auroristas", dos quais encontramos alguns membros no Brasil), os "Epifanistas", a "Layman Home Missionary Movement" (Movimento Missionário Doméstico de Leigos) , "Standfast Movement" (Movimento da Posição Firme), "The Elijah Voice" (A Voz de Elias). Com exceção dos dois primeiros, os demais se diluíram. Os "auroristas" exercem grande atividade nos Estados Unidos, onde mantêm famoso programa radiofônico denominando "Frank and Ernest", ouvido em mais de 300 emissoras. Editam a revista "The Dawn" (A Aurora) com perto de 30.000 assinantes. Mantêm quase intactos os ensinos de Russell, inclusive a teoria da "Pirâmide", e afirmam que Rutherford foi um usurpador da Sociedade Torre de Vigia, que desvirtuou a mensagem russelita, levando-a por novos e estranhos caminhos! 

Ainda sobre o temperamento de Rutherford, reproduzimos duas informações de Paul S. L. Johnson, no volume Merariism, em polêmica com o "Juiz", e que não foram contestadas. A primeira é sobre a truculência de Rutherford, escrita era 1917, após a posse no cargo. Trechos extraídos das páginas 71, 80, 81 e 82. 

"No dia 17 de Julho (...) deu-me o ultimatum: 'Daremos um jeito em você'. Disse-o tão irado, vociferando e gritando que podia ser ouvido a mais de 50 pés. (...) Os quatro irmãos que dissentiam dele por causa do controle da entidade estavam no Tabernáculo quando se chamou um soldado da polícia para expulsá-los de lá. (...) 

"No dia 27 de julho, na encerramento da reunião da 'People's Pulpit Association' (...) ele [Rutherford] extremamente irado, levantou-se, dizendo: 'Então será a guerra', querendo dizer que dali por diante estaria disposto a tudo, até à violência. (...) 

"Ficou exaltado e vociferou: "Você ocasionou rompimento na Igreja Britânica'. Repliquei-lhe que a culpa era dele. Ainda mais irado, gritou-me que abandonasse Betel [o local onde estávamos]. (...) 

"Retruquei-lhe que apelara para a Mesa (...) mas se ele exigia minha retirada, eu atenderia já. Nesta altura, ele perdeu completamente o autodomínio. Para fazer valer sua ordem, precipitou-se sobre mim, berrando: 'Ponha-se na rua'. Agarrando-me fortemente pelo braço, sacudiu-me com violência que quase me fez cair. Tal foi a violência do aperto em meu braço que, se eu não fosse musculoso, por certo, ele me teria esfolado ou produzido marcas negras e azuis no braço. Chamei a atenção das presentes para o fato de ele [Rutherford] estar empregando violência física contra a minha pessoa. O Sr. A. H. Macmillan, saltando ao lado dele, evitou que uma de suas mãos descesse sobre mim golpeando-me na cabeça, e conseguiu afastar a outra mão de Rutherford que segurava meu braço. Mas ele continuou me maltratando (...) deixei o cômodo, magoado por este exibição de truculência". 

E ainda da página 416 desse livro polêmico, escrito em plena era rutherfordiana, extraímos o seguinte sobre uma recaída espiritual do "Juiz": 

"Relatarei um incidente que é a chave parcial para revelar seu estranho procedimento desde 1916 [procedimento de Rutherford]: Quando ele e eu, em 1915, estávamos andando no hotel em que nos hospedamos, depois da última assembléia da Convenção de Oakland, Califórnia, ele, segurando-me pelo braço, começou a chorar. Indaguei-lhe a razão isso, e ele declarou ser o esfriamento de sua espiritualidade, dizendo mesmo que sua espiritualidade estava reduzida a zero. Pediu que eu lhe indicasse um meio de curar sua condição. Sabendo que a Verdade é o poder de Deus que opera em nós o querer e o fazer, perguntei-lhe se estudava diariamente os Volumes [refere-se aos volumes de Studies in the Scriptures] como o nosso Pastor [refere-se a Russell) recomendava. Respondeu que havia tantas coisas que lhe desviavam a atenção, que raramente tinha oportunidade de estudá-los". 


Apesar disso, dois anos depois, Rutherford assumia a direção mundial da Sociedade de Tratados Torre de Vigia! O livro Seja Deus Verdadeiro, pp. 215/6, afirma: "É verdade que (...) homens como (...) J. F. Rutherford participaram proeminentemente neste trabalho mundial como testemunhas de Jeová, assim como nos tempos antigos Jesus Cristo (...) e muitos outros participaram destacadamente no trabalho servindo por testemunha de Jeová". 

Esta comparação é, a nosso ver, sacrílega!