Trecho do livro em que Flávio Josefo menciona uma árvore carnívora



CAPÍTULO 21 Livro guerra judaicas História dos Hebreus

Espantosa história de uma mãe que matou e comeu em Jerusalém seu próprio filho. Horror que com isso Tito veio a sentir.

Uma mulher chamada Maria, filha de Eleazar, muito rica, tinha vindo com algumas outras, à aldeia de Batechor, isto é, casa de hissope, refugiar-se em Jerusa­lém, e lá se viu cercada. Aqueles tiranos, cuja crueldade martirizava os habitantes, não se contentaram em lhe arrebatar tudo o que tinha levado de mais precioso, tomaram-lhe ainda por diversas vezes o que ela havia escondido para seu alimento. 


A dor de se ver tratada daquela maneira lançou-a em tal desespero, que, depois de ter feito mil imprecações contra eles, usou de palavras ofensivas, procurando irritá-los, a fim de que a matassem, mas nem um só daqueles tigres, por vingança de tantas injúrias ou por compaixão, lhe quis usar dessa graça. Ela se viu reduzida assim, às últimas, não podia esperar socorro de ninguém; e a fome que a devorava, e ainda mais, o fogo que a cólera tinha acendido no seu coração, inspiraram-lhe uma resolu­ção que causa horror à própria natureza. Ela arrancou o filho do próprio seio e disse-lhe: "Criança infeliz, da qual nunca se poderá chorar bastante a desgraça de ter nascido durante esta guerra, durante a carestia e no meio de diversas facções, que conspiram sem trégua, para a ruína de nossa pátria, para que te haveria eu de conservar a vida? Para ser talvez escrava dos romanos, quando mesmo eles nos quisessem ajudar? A fome nos teria feito morrer antes mesmo de cairmos em suas mãos. E esses tiranos, que nos pisam a garganta, não são eles ainda mais temíveis e cruéis que os romanos e a fome? Não é então preferível que tu morras, para servir-me de alimento, para enraivecer esses revoltosos e deixar atônita a posteridade, com uma ação tão trágica, que não seria a única  a faltar para encher a medida dos males que tornam hoje os judeus o povo mais infeliz da terra?" Depois de ter assim falado ela matou o filho, cozeu-o, comeu uma parte e escondeu a outra. 

Aqueles ímpios, que só viviam de rapina, entraram em seguida naquela casa; tendo sentido o cheiro daquela iguaria inominável, ameaçaram matá-la, se ela não lhes mostrasse o que tinha preparado para comer. Ela respondeu que ainda lhe restava um pedaço da iguaria e mostrou-lhes restantes do corpo do próprio filho. Ainda que tivessem um coração de bronze, tal espetáculo causou-lhes tanto horror, que eles pareciam fora de si. Ela, porém, na exaltação que lhe causava o furor, disse-lhes, com o rosto convulsionado: "Sim, é meu próprio filho que vedes, e fui eu mesma que o matei. Podeis comê-lo, também, pois eu já comi. Sois talvez menos corajosos que uma mulher e tendes mais compaixão que uma mãe? Se vossa piedade não vos permite aceitar essa vítima, que vos ofereço, eu mesma acabarei de comê-lo". 

Aqueles homens que até então não haviam sabido o que era a compaixão, retiraram-se trêmulos, e por maior que fosse a sua avidez em procurar alimento, deixaram o restante daquela detestável iguaria à infeliz mãe. A notícia de fato tão funesto espalhou-se incontinente por toda a cidade. 

O horror que todos sentiram foi o mesmo, como se cada qual tivesse cometido aquele horrível crime; os mais torturados pela fome só desejavam morrer, quanto antes, e julgavam felizes os que já haviam morrido, antes de ter tido ciência deste fato ou ouvido narrar coisa tão execrável.

Os romanos também logo souberam de tudo, isto é, da criança sacrificada por sua própria mãe, para que ela pudesse continuar a viver. Uns não podiam crer no que se dizia; outros sentiam imensa compaixão, mas a maior parte viu acender-se ainda mais o ódio que já sentiam contra os judeus. 

Tito, para se justificar diante de Deus a esse respeito, protestou em voz alta que ele tinha oferecido aos judeus uma anistia geral de todo o passado e visto que eles tinham preferido a revolta à obedi­ência, a guerra à paz, a carestia à abundância e tinham sido os primeiros a incendiar com suas próprias mãos o Templo, que ele tinha se esforçado por conservar, mereciam ser obrigados a se alimentar de tão execrável iguaria. No entanto, ele sepultaria aquele horrível crime sob as ruínas da sua capital, a fim de que o sol, fazendo a volta ao mundo, não fosse obrigado a esconder seus raios, pelo horror, de iluminar uma cidade onde as mães se nutriam de carne dos próprios filhos, onde os pais não eram menos culpados que elas, pois tão estranhas misérias não os podiam decidir a abandonar as armas. Estas as palavras do grande príncipe, por­que, considerando até que excesso ia a raiva daqueles revoltosos, ele não achava, que depois de ter sofrido tantos males, dos quais apenas o temor deveria trazê-los ao cumprimento do dever, nada poderia jamais fazê-los mudar.

CAPÍTULO 31 Sinais e predições da desgraça que sobreveio aos judeus, aos quais eles não deram crédito.

Relatarei aqui alguns desses sinais e dessas predições.
Um cometa, que tinha a forma de uma espada, apareceu sobre Jerusalém, durante um ano inteiro.

Antes de começar a guerra, o povo reunira-se, a oito de abril, para a festa da Páscoa, e pelas nove horas da noite viu-se durante uma hora e meia em redor do altar e do Templo, uma luz tão forte que se teria pensado que era dia. Os ignorantes tiveram-na como um bom augúrio, mas os instruídos e sensatos, conhecedores das coisas santas, consideraram-na como um presságio do que depois sucedeu.
Durante essa mesma festa uma vaca que era levada para ser sacrificada deu à luz um cordeiro no meio do Templo.
Pelas seis horas da tarde a porta do Templo que está do lado do oriente, que é de bronze e tão pesada que vinte homens mal a podem empurrar, abriu-se sozinha, embora estivesse fechada com enormes fechaduras, barras de ferro e ferrolhos, que penetravam bem fundo no chão, feito de uma só pedra. 

Os guardas do Templo avisaram imediatamente o magistrado do que acontecera e lhe foi bem difícil tornar a fechá-la. Os ignorantes interpretaram-no ainda como um bom sinal, dizendo que Deus abria em seu favor suas mãos liberais, para cobri-los de toda sorte de bens. Porém, os mais sensatos julgaram o contrário, isto é, que o Templo destruir-se-ia por si mesmo e que a abertura de sua porta era presságio, o mais favorável, que os romanos pudessem desejar.

Um pouco depois da festa, a vinte e sete de maio aconteceu uma coisa que eu temeria relatar, de medo que a tomassem por uma fábula, se pessoas que tam­bém a viram, ainda não estivessem vivas e se as desgraças que se lhe seguiram não tivessem confirmado a sua veracidade. Antes do nascer do sol viram-sé no ar, em toda aquela região, carros cheios de homens armados, atravessar as nuvens e espalharem-se pelas cidades, como para cercá-las.
No dia da festa de Pentecostes, os sacerdotes estando à noite, no Templo interior, para o divino serviço, ouviram um ruído e logo em seguida uma voz que repetiu várias vezes: Saiamos daqui!




PRESSÁGIO


Quatro anos antes do começo da guerra, quando Jerusalém gozava ainda de profunda paz e de fartura, Jesus, filho de Anano, que era então um simples cam­ponês, tendo vindo à festa dos Tabernáculos, que se celebra todos os anos no Templo, em honra de Deus, exclamou: "Voz do lado do oriente, voz do lado do ocidente, voz do lado dos quatro ventos, voz contra Jerusalém e contra o Tem­plo, voz contra os recém-casados e as recém-casadas, voz contra todo o povo". Dia e noite ele corria por toda a cidade, repetindo a mesma coisa. Algumas pes­soas de condição, não podendo compreender essas palavras de tão mau presságio, mandaram prendê-lo e vergastá-lo; mas ele não disse uma só palavra para se defender, nem para se queixar de tão severo castigo e repetia sempre as mesmas coisas. Os magistrados, então, pensando, como era verdade, que naquilo havia algo de divino, levaram-no a Albino, governador da Judéia. Ele mandou açoitá-lo até verter sangue e nem assim conseguiram arrancar-lhe um único rogo, nem uma só lágrima, mas a cada golpe que se lhe dava, ele repetia com voz queixosa e dolorida: "desgraça sobre Jerusalém". 

Quando Albino lhe perguntou quem ele era, de onde era, o que o fazia falar daquela maneira, ele nada respondeu. Assim despediu-o como um louco e não o viram falar com ninguém, até que a guerra começou. Ele repetia somente e sem cessar, as mesmas palavras: "Desgraça, des­graça sobre Jerusalém", sem injuriar nem ofender aos que o maltratavam, nem agradecer aos que lhe davam de comer. Todas as suas palavras reduziam-se a tão triste presságio e as proferia com uma voz mais forte nos dias de festa. Dessa forma continuou durante sete anos e cinco meses, sem interrupção alguma, sem que sua voz se enfraquecesse ou se tornasse rouca. Quando Jerusalém foi cerca­da viu-se o efeito de suas predições. Fazendo então a volta às muralhas da cida­de, ele se pôs ainda a clamar: "Desgraça, desgraça sobre a cidade, desgraça sobre o povo, desgraça sobre o Templo". Tendo acrescentado "desgraça sobre mim", uma pedra atirada por uma máquina, derrubou-o por terra e ele expirou proferindo ainda as mesmas palavras.

E quisermos considerar tudo o que acabo de dizer, veremos que os homens perecem somente por própria culpa, pois não há meios de que Deus não se sirva para procurar-lhes a salvação e manifestar-lhes por diversos sinais o que eles devem fazer. Assim, os judeus, depois da tomada da fortaleza Antônia, reduziram o Templo a um quadrado embora não pudessem ignorar o que está escrito nos livros sagrados, que a cidade e o Templo seriam destruídos quando aquilo viesse a acontecer. Mas o que os levou principalmente a encetar aquela infeliz guerra, foi a ambiguidade de outra passagem da mesma Escritura, que dizia que se veria naquele tempo, um homem de seu país, governar toda a terra. Eles o interpretavam em seu favor e vários até mesmo dos mais hábeis enganaram-se. Pois aquele oráculo dizia que Vespasiano, então, fora criado imperador, quando estava na Judéia. 

Mas eles explicavam todas essas predições, segundo sua fantasia e só conheceram seus erros, quando ficaram completamente convencidos da sua inteira ruína e destruição.

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