9 LIGEIRO ESTUDO DE PROVÉRBIOS 8:22-24

Radiografia Jeovismo temas



Em seu livro de Provérbios, capítulo 8, Salomão compõe interessante parábola, ou melhor, uma alegoria para descrever a excelência da sabedoria. Em linguagem figurada, descreve o surgimento da sabedoria, sua antigüidade inescrutável, sua participação na criação, seu valor inapreciável e seu regozijo com os homens. 


É o passo do Velho Testamento que as pseudo testemunhas de Jeová exploram abusivamente para tentarem demonstrar que Cristo fora criado. 


A tradução feita por eles é esta ou semelhante a esta: 

"Jeová me fez na começo do seu caminho, antes das suas obras da antigüidade". (verso 22). 


E nisto querem seguir a Versão das LXX, ou Septuaginta, toda em grego, que consigna: "O Senhor me criou...", da qual os arianos tanto abusaram com o fim de defenderem seu estrambótico unitarismo. 


E desta forma forçam o verbo hebraico qânâh (que no texto aparece numa forma imperfeita e pronominal qananî ) a ter o sentido de "criar" ou "fazer". Ora, isto é insustentável, e podemos afirmar, com absoluta segurança, serem errôneas neste ponto, tanto a versão Septuaginta como a dos jeovistas. 


Os especialistas em línguas semitas, destacando-se o douto F. C. Barney, afirmam que o verbo hebraico qânâh tem o sentido de "gerar" (coisa bem diferente de "criar", como veremos adiante), "obter" e especialmente o sentido de "possuir"; nunca, porém, o de "fazer" ou "criar". Trata-se aí de um equívoco da versão dos Setenta, endossado pelos jeovistas. 


Para maior compreensão, vamos recompor os três versículos em debate, grafando o original hebraico transliterado com a tradução colada, ipsis verbis: 

YEHVEH       QANANΠ   RÊI'SHITH       DARKÔ 

o Senhor      (me) possuía   (no) princípio   (de) (seu) caminho  

QÊDHÊN            MIPHALAIV  MÊ'AZ. 

(da) antigüidade   (suas) obras     desde.  

MÊ'ÔLAM            NISSAKTI    MÊR'ISH 

Desde a eternidade fui ungida     desde a origem 

MIQQADMAI-'REÇ

antes do começo (da) Terra 

Be'YN-TeHIMÔTH                       CHOLALTI. 

Quando (não havia) profundezas    fui gerada. 


Transpostos, logicamente, em bom português, teremos: 

"O Senhor me possuía no início de Seu caminho, desde as suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui ungida, desde a origem, antes de existir a Terra. Fui gerada antes que houvesse abismos". 

A chave do sentido encontra-se na exata tradução dos verbos. Analisemos os três casos que estamos considerando: 

1.° No versículo 22 aparece o verbo qânâh, cuja tradução mais exata é possuir, no imperfeito. A propósito, "o Novo Comentário da Bíblia" de F. Davidson, comentando o versículo, afirma: 

"Possuiu, tradução dada pelas versões em português, significaria que desde o princípio a sabedoria de Deus estava com Deus: Deus é chamado de o Possuidor (raiz qânâh) dos céus e da Terra, em Gênesis 14:19 e 22 . (...) 

"A referência aqui não é que a Sabedoria foi o primeiro ser criado, pois a sabedoria de Deus certamente é inseparável dEle; pelo contrário, devemos entender por isso que a Sabedoria estava com Ele desde toda a eternidade". 


2.° No versículo 23, aparece o verbo nassak, que alguns vertem por "estabelecer". Traduzimo-lo num particípio passado. Os melhores léxicos hebraicos lhe dão vários sentidos: (1) "derramar", (2) "fazer libações", (3) "instalar", (4) "tecer', (5) "ungir". A tradução Almeida clássica. verteu-o por "ungir", que preferimos, embora o erudito B. Metzger admite que a raiz sãka significa "unir estreitamente", o que também aceitamos e valoriza a tese que defendemos. O comentário bíblico de Davidson, já citado, assim comenta o verso 23: 

"Ungida pode referir-se à nomeação da Sabedoria, por Deus, para Sua tarefa. Essa palavra é usada no sentido de consagrar... A sabedoria precedeu todos as seres criados e até mesmo as profundezas primevas. Mas isso ainda não é tudo. A sabedoria não só esteve presente na criação, mas serviu de medianeira na mestra". 


3.° No versículo 24 há o verbo chul a que os bons dicionários dão o sentido de "contorcer", "agitar", "tremer" e, em pouquíssimos casos, "gerar". Qualquer que seja o sentido de chul (chôlalti devido à desinência), é todavia incabível dar-lhe sentido de um nascimento físico, pelo fato de toda a passagem ser uma espécie de parábola. O sentido é metafórico, figurativo e isso é importante. Também estaria dentro da lógica do hebraico traduzir-se: "Antes de haver abismos, eu vibrei". Cremos honestamente que o que Salomão quis dizer, referindo-se à Sabedoria de Deus foi isto: 

"Eu estava com Deus no princípio (e isto concorda plenamente com S. João 1:2: "Ele eslava no princípio com Deus") ou no princípio de Seus caminhos, ou de Seus planos na insondável economia divina. Desde a eternidade fui ungida, desde a princípio (...) Apareci antes de haver abismos". 

Tudo, porém, indica incomensurabilidade de tempo, pois a linguagem metafórica do texto indica a eternidade da sabedoria, ou de Cristo: sempre presente em Deus, em qualquer tempo presente com Deus, desde a eternidade presente com Deus, fusionada com Deus.  

Replicam as chamadas testemunhas de Jeová que as expressões "antes das obras antigas", "antes do começo da Terra" e semelhantes por si só indicam um tempo em que Cristo surgira e, portanto, fora criado. O argumento não colhe. No Salmo 90, por exemplo, Jeová também é referido desta forma: 

"Senhor [no original: Jeová] (.. ) antes que os montes nascessem e se formassem a Terra e o mundo (...) tu és Deus". 

E aqui os neo-russelitas não interpretam que Jeová haja sido criado em algum tempo antes da formação do mundo. Por que não o fazem? 

Também em Dan. 7:9 e 13, Deus o Pai, como supremo Juiz, é descrito como o "Ancião de Deus"; contudo Ele é eterno. Ninguém admitiria que, pelo fato de ser metaforicamente descrito como uma Entidade "de dias", haja Ele tido um começo ou um nascimento. A Bíblia deve ser interpretada com bom senso e imparcialidade, distinguido o figurativo do real. Para fugirem à evidência, os jeovistas não aceitam a interpretação correta do "Ancião de Dias". 

O douto Bruce Metzger, referindo-se à pretensão dos jeovistas em relação a Prov. 8:22, aduz: 

"É um caso flagrante de exegese estrábica abandonar a corrente representação neotestamentária de Jesus Cristo como Ser incriado, e lançar mão de uma interpretação contestada de um versículo do Velho Testamento como se ele fosse a única descrição satisfatória dEle. A metodologia própria é, sem dúvida, começar com o Novo Testamento, buscando neles vislumbres, tipos e profecias cumpridas em Jesus Cristo". – Jehovah Witnesses and Christ, p. 87. 

Aí está o caminho sensato e correto que os jeovistas deveriam seguir, para não inverterem a pirâmide. 

Judiciosamente o SDA Bible Commentary faz a seguinte consideração sobre a passagem em lide: 

"A passagem é alegórica, e deve-se exercer muito cuidado em não forçar uma alegoria além daquilo que o escritor do original tinha em mente. As interpretações extraídas dela têm que estar sempre em harmonia com a analogia das Escrituras. Alguns têm buscado aqui apoio para a idéia de que houve um tempo em que Cristo não existia, e que Ele fora criado, ou gerado pelo Pai como o princípio de Sua obra em estabelecer um Universo ordenado e habitado. São incabíveis conclusões dogmáticas extraídas de passagens figurativas e parabólicas. Os resultados desvirtuados desse procedimento podem ser vistos, por exemplo, na interpretação popular da parábola do rico e Lázaro (S. Luc. 16:19-31). A comprovação de crenças doutrinárias sempre deve ser buscada nas declarações textuais, literais da Bíblia. E declarações explícitas sobre o assunto em causa acham-se em Miquéias 5:2; S. João 1:1; 8:54 e outros lugares. Conquanto haja, sem dúvida, uma referência a Cristo, Ele aí é apresentado na figura da sabedoria. Outro exemplo de aplicação figurada ver em Ezeq. 28 onde o 'rei de Tiro' é, em parte, apresentado como figura de Satanás". 

O Sr. A. Neves de Mesquita, em seu livro "A Doutrina da Trindade no Velho Testamento", pp. 135 e 136, assim comenta a sentido da alegoria de Salomão, destacando cinco pontos: 

"O ápice desta alegoria encontra-se no capítulo 8, versos 22-31. (1) No princípio de tudo, era a sabedoria; (2) ela estava no princípio com o Senhor, e 'foi ungida antes que a Terra tivesse seus fundamentos lançados; (3) foi gerada antes que a Terra existisse, 'e antes que os montes se elevassem' já existia; (4) quando a Senhor preparava o cosmos, lá estava ela, e antes dos fundamentos da Terra serem postos, lá a sabedoria se fazia ouvir; (5) ela era a alegria do Senhor, e, como se alegraram os anjos, pela fundação do Universo, assim se alegrava a sabedoria pelo surgimento das coisas". 


Concluir que a alegoria de Provérbios 8 prove a criação ou o nascimento de Cristo é vesguice exegética, ou oposição enfermiça à Divindade do Filho de Deus! 

À luz de tolas estas informações, não é difícil entender-se o sentido de Prov. 8:22-24. 


Que Deus ilumine os sinceros!