33 CISTERNAS ROTAS – III

SUBTILEZAS DO ERRO


CAUSA pena a insegurança dos que se agarram à patrística para salvar uma causa perdida. Os chamados pais da igreja, como vimos, também ensinaram os maiores dislates e absurdos, e as mais desbragadas heresias. Replicam os oponentes que, se os citam, fazem-no apenas como referência histórica para provarem que os pais se referiam a um "costume já implantado na igreja subapostólica." 


Ora, se isto é verdade então forçosamente, por coerência e honestidade mental, terão que admitir que o batismo de afusão, o purgatório, os jejuns cerimoniais, fórmulas, orações pelos mortos e outros disparates eram "costumes" da igreja e, como tais, devem ser aceitos e praticados em nossos dias – embora tais costumes contrariem os claros ensinos dos livros canônicos!!! Se eram exatas as informações que davam de um fato, por que o seriam menos em relação a outros fatos? 


Analisemos outras cisternas rotas onde se abebera o autor de O Sabatismo à Luz da Palavra de Deus para basear uma "prova" em favor da guarda do domingo, já que não a encontrou nas páginas inspiradas da Bíblia. 


Uma citação de Bardesanes


Sem indicar a fonte direta, diz o autor: "Bardesanes, de Edessa, A. D. 180, declara: 'Num dia, o primeiro da semana nós nos reunimos'." Não sabemos de quem é o grifo, nem de que livro extraiu a cita, porque quase todas as obras de Bardesanes se perderam, excetuando-se fragmentas de seus Hinos à Alma inseridos num apócrifo Atos de S. Tomé, e Sobre a Fatalidade, conservados por Eusébio. 

O Livro de Leis de Diversos Países lhe é atribuído par Eusébio, Epífano e Teodureto, mas crê-se que tal obra seja, se não total pelo menos em grande parte de um de seus discípulos. Esse Bardesanes era gnóstico e instituiu um sistema religioso considerado herético, especulativo como o valentinianismo, e muito influenciado pela mitologia e astrologia caldaicas. Suas especulações cosmogônicas são do paganismo mesopotâmico. Tinha concepção docetista de Cristo, afirmando que Ele não possuía corpo real nem padecera sofrimentos. Negava-Lhe a ressurreição. Se alguém quiser um completo perfil desse heresiarca, basta ler o que sobre ele diz a enciclopédia "Schaff-Herzog". 

Pois bem, esse Bardesanes que escreveu em começos do século III (quando a apostasia gradual ganhava corpo) diz que num primeiro dia da semana se reuniam. Não afirma que era domingo, tampouco que se tratava já do dia do Senhor, e muita menos que já esse dia fosse dia de guarda. 

Um herege não tem peso como autoridade em matéria religiosa, e ainda que se pudesse provar que se reuniam num primeiro dia da semana, não indica que tal prática tivesse a sanção de Cristo, da Palavra de Deus ou claríssima recomendação apostólica. "A Mim me deixaram – o manancial de águas vivas – e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retém as águas." Jer. 2:13. 


Clemente de Alexandria


É bom reler o que dissemos a respeito desse pai na introdução do capítulo Cisternas Rotas – I. Seus escritos são uma mescla de filosofia pagã com cristianismo. Schaff e Herzog afirmam que Clemente era inepto para discernir entre o bem e o mal. Farrar menciona que ele punha em pé de igualdade livros apócrifos e livros canônicos. Afirma que ele não conhecia bem as Escrituras, pais citava versículos que não existem. Afirmou Clemente que Jeremias era o autor dos livros apócrifos Sabedoria de Salomão e o de Baruque. Cria que a versão Septuaginta era inspirada, bem como a Sibila. Diz que Platão era profeta que predisse o estabelecimento do domingo, no décimo capítulo da "República". Seus livros Stromata constituem um amontoado de coisas inaproveitáveis. 

A cita do oponente é a seguinte: "Clemente de Alexandria, no Egito, A. D. 194: 'Ele cumprindo o preceito, conforme o Evangelho, guarda o dia do Senhor, quando abandona uma disposição má e assume aquela do gnóstico, glorificando em si a ressurreição do Senhor'." 

Clemente, sem dúvida, refere-se ao festival da ressurreição que se celebrava no primeiro dia da semana, mas que ainda não era dia de guarda, porquanto, depois da cerimônia, os crentes retornavam às suas ocupações. Era, sem dúvida, o "costume" que, com o correr do tempo, determinou a observância oficial do domingo, sem, contudo, amparar-se em qualquer base das Escrituras. 

Há no trecho citado de Clemente alusão a um INEXISTENTE preceito (?) do evangelho. O leitor terá imediatamente dez milhões de cruzeiros se nos mostrar esse preceito dominguista em qualquer dos evangelhos. Reconhecendo, também, que tal preceito NÃO EXISTE, o nosso gratuito opositor apela para a fantasia... E imagina esta saída [que bem demonstra a derrota fragorosa): "Isto parece indicar [tudo é vago, nebuloso, hipotético, "parece"] que Jesus, entre a ressurreição e a ascensão deu mandamento a respeito do primeiro dia da semana." Fantasia! Fantasia! Fantasia! Tudo inócuo. Tudo sem o menor valor probante, e só prova a insustentabilidade de uma posição antibíblica. E é com tais expedientes indignos que os adversários dos adventistas justificam a deliberada transgressão do quarto mandamento da Lei de Deus. 


Tertuliano


Diz o oponente: "Tertuliano, na África, A. D. 200: 'Nós solenizamos o dia após o sábado em contradição àqueles que chamam a este dia o seu sábado.' (Apologia, cap. 16)'." 

Muito bem! Agora leiamos algo mais da pena desse mesmo Tertuliano para ver se, de fato, era o domingo uma instituição bíblica, certa, pacífica, um "dia de guarda" intocável. Nessa mesma Apologia, no mesmo capítulo, há este trecho: "Outros... pensam que a Sol é o deus dos cristãos, porque é sabido que adoramos em direção a Leste e festejamos o dia do Sol." Isto é sintomático, e revela que tal prática não era bíblica. 

Ainda Tertuliano diz em outro lugar: "Somente no dia da ressurreição do Senhor deviam [os cristãos] guardar-se não apenas contra o ajoelhar-se, mas contra todos os gostos de serviço de solicitude, ADIANDO MESMO NOSSAS OCUPAÇÕES para não darmos qualquer lugar ao maligno." (Versais nossos.) É claro que, por aquele tempo, os cristãos, após a reunião matinal do festival da ressurreição, retornavam aos seus trabalhos. O primeiro dia da semana era, na época, dia de trabalho normal. Os cristãos não se abstinham das tarefas seculares. 

Diz o pastor Albert C. Pittman, Pastor da Primeira Igreja Batista de Dayton, Ohio, EE.UU.: "Primitivamente reuniam-se [os cristãos] no domingo de manhã porque o domingo não era um dia feriado, mas sim um dia de trabalho normal como os demais ... Cantavam um hino a Cristo, ligavam-se por um voto de companheirismo, partilhavam uma merenda religiosa e, em seguida, retornavam ao seu trabalho, para os labores da semana." – The Watchman Examiner (jornal batista) de 25 de outubro de 1956. (Grifos nossos.) 

E tem mais. O mesmo Tertuliano, (em quem o acusador procura escorar-se), escrevendo a respeito de certas práticas em voga no seu tempo, entre elas o festival da ressurreição, conclui que provinham da tradição, sem o menor apoio nas Escrituras. Melhor é citar o próprio Tertuliano: 

"Sempre que ocorre o aniversário, fazemos ofertas para os mortos (um costume pagão) e o fazemos como honras de aniversário ... o jejum, a adoração no dia do Senhor. Regozijamo-nos desde a páscoa ao domingo menor. Sentimo-nos angustiados se o vinho e o pão... devessem ser jogados ao chão.... Fazemos na testa o sinal da cruz. 

"Se, para estas e outras regras, vós insistis sobre uma positiva determinação da Escritura, nada encontrareis. A tradição vos será apresentada como originadora destas práticas, o costume as fortaleceu e a fé as pôs em prática." – Tertuliano, De Carona, seções 3 e 4. 

O tiro tertulianiano saiu-lhe pela culatra. Dessa forma, o argumento se destrói por si mesmo. Nem faremos comentário. É nesses falsos pilares que se vai buscar prova em abona da guarda de um dia que não era, a rigor, guardado. Causa pena! 

Tertuliano diz que os cristãos, ao se reunirem no primeiro dia da semana não deviam ajoelhar-se. E um seu contemporâneo, Orígenes, de Alexandria, nos diz em sua Homília Sobre Números 23, parte 4, que se devia observar o sábado, e cita Heb. 4:9 ("Ainda resta um sabatismo para o povo de Deus"). Eis um trecho: 

"Abandonando, pois, a observância judaica do sábado, que espécie de guarda do sábado se espera do cristão? No dia de sábado nenhuns atos seculares devem ser efetuados. Se, pois, vos abstendes de todas as obras seculares, nada façais de mundano, mas estai livres para obras espirituais, vinde à igreja, ouvi a leitura e o comentário, e pensamentos em coisas celestiais, atentando para a vida futura, mantendo diante dos olhos o julgamento vindouro, não considerando coisas presentes e visíveis, mas o invisível e o futuro. Esta é a observância cristã do sábado." 

Se isto prova alguma coisa, prova que o sábado era ainda observado como dia de guarda. Prova também que no primeiro dia da semana, o dia do Sol, os cristãos já se reuniam de manhã para comemorarem o festival da ressurreição, mas na parte da tarde retornavam às ocupações seculares. Se prova alguma coisa, prova que em ambos os dias havia atividades espirituais. Pelos mesmos cristãos. A interpretação oferecida pelo oponente, de que somente as cristãos judeus guardavam o sábado e que os cristãos gentios guardavam o domingo é falsa e insustentável. Também, para justificá-la foi valer-se de quem? Do desmoralizado Canright que torceu uma citação de Eusébio. 



Outros Pais


As citações finais de outros vultos da Patrística nem mereceriam ser consideradas em vista da data que trazem: terceiro e quarto séculos. Tempo em que a apostasia já se consumara. Notemos, porém, que Cipriano, o feiticeiro que se tornou anabatista, incoerente e confuso como os demais pais, alude ao oitavo dia. Faz coro com o costume já implantado e que, paulatinamente, determinou o abandono do sábado. 

A Constituição Apostólica, (que pelo simples fato de datar-se do fim do terceiro século prova não ser da autoria dos apóstolos, mas de escritores apócrifos da igreja oriental), invocada pelo oponente, reclama a união dos cristãos no dia da ressurreição de Cristo. No entanto, os escritores dessa pretensa Constituição Apostólica nos informam da observância do sábado. Diz um trecho: 

"Observarás o sábado, em intenção dAquele que repousou de Sua obra da criação, mas não cessou Sua obra de Providência: é um repouso para meditação da lei, e não dia para ociosidade das mãos." – Livro 2, seção 5, cap. 36. Em outros capítulos menciona o sábado como devendo ser guardado, ao lado do primeiro dia da semana, como valor de prova é nulo tal documento. É contraditório! 

O mesmo diremos de Anatólio, e Pedro de Alexandria, este já no quarto século. 

A última cita de Pais é de Eusébio, e demonstra a observância simultânea de ambos os dias. No entanto, o mesmo Eusébio escreveu: "Todas as coisas que eram dever ser feitas no sábado, estas NÓS AS TRANSFERIMOS para o dia do Senhor" – Commentary on the Psalms. Confessa com esse "nós transferimos" que a mudança do dia de guarda foi obra de mãos humanas. Não se fez por Deus, por Cristo, pelos apóstolos, por preceito bíblico. Pelos homens, e só pelos homens, no período da apostasia gradual!!! 

Conclui o adversário afirmando que a guarda do domingo tem a autoridade do Espírito Santo aos apóstolos: "Quando vier aquele Espírito de verdade, ele vos guiará em toda a verdade." A seu ver, essa "toda a verdade" refere-se ao domingo, verdade que, segundo crê, veio através dos "iluminados" Pais da Igreja. E remata, sem rebuços: "É nisto precisamente que estamos baseados e por isso guardamos o domingo." 

Baseado num fragílimo castelo de cartas!!! Em "cisternas rotas, que não retêm as águas." Jer. 2:13. Causa pena!