29 A CÉLEBRE REUNIÃO DE TRÔADE

SUBTILEZAS DO ERRO


À PÁGINA 77 do libelo, cita o autor Atos 20:7, que reza: "E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, discursava com eles; e alargou a prática até à meia-noite." E desse texto, que relata um fato eventual da vida paulina, o autor toma a liberdade de tirar as seguintes conclusões: 

1. que os crentes em Trôade reuniam-se regularmente aos domingos para o culto, e que esta foi uma reunião de santa ceia; 

2. que a reunião em tela não ocorreu sábado à noite, como admitimos por motivos óbvios; 

3. que Lucas, sendo gentio e escrevendo a um "romano," deveria valer-se da contagem romana de tempo, e não da judaica; 

4. que os romanos desde o início de sua história (753 A. C.) contavam os dias de meia-noite à meia-noite; 

5. que provavelmente (não afirma com convicção) Lucas seguira o método romano. 

Não nas furtamos ao prazer de pulverizar estas falsidades, seguindo, na resposta, a ordem numérica acima estabelecida: 

1. A afirmação de que os cristãos troadeanos se reuniam com absoluta regularidade aos domingos é temerária, destituída de fundamento, pois da Bíblia não se infere que havia, na época, tal costume, e os documentos do primeiro século o desautorizam. 

DR. AUGUSTO NEANDER, abalizado escritor eclesiástico, insuspeito por ser observador do domingo, assim se refere a passagem de Atos 20:7: 

"A passagem não é absolutamente convincente [como prova da guarda do domingo], porque a partida iminente do apóstolo era motivo para reunir a pequenina igreja, em uma ceia fraternal, ocasião em que fez seu último discurso, embora não fosse culto especial de domingo nessa casa." (1) 

Também o autorizado ELLICOTT, observador do domingo, no seu comentário bíblico, assim considera esta passagem: 

" 'Que havia de partir no dia seguinte' – Pode parecer estranho que alguns sustentem a opinião exposta na nota anterior, de que o apóstolo e seus companheiras assim se propusessem a viajar no dia ao qual se transferiram todas as restrições do sábado judaico. No entanto, é de se lembrar: 1°.) que não há nenhuma prova de que S. Paulo pensasse em tais dias como assim mudados, mas bem ao contrário (Gál. 4:10; Col. 2:16 e 20); e 2.º) que o navio, no qual seus amigos tomaram passagem, provavelmente não devia alterar seu dia de partida para satisfazer escrúpulos, mesma que tais escrúpulos existissem." (2) 

Como se vê, foi um fato eventual, acidental, circunstancial que ocorreu. 

Citemos ainda o testemunho de MEYER: 

"Que nesse tempo o domingo já fosse regularmente observado por influentes corporações religiosas e os Agapae (plural do termo grego que significa amor, designando as refeições sociais, ou festas de amor, seguidas usualmente pela ceia do Senhor, na primitiva igreja cristã), não pode, com efeito, ser provado como certeza histórica, visto que possivelmente a observância do Agapae nesta passagem, talvez acorresse apenas acidentalmente no primeiro dia da semana, porque Paulo pretendia partir no dia seguinte e porque nem mesmo I Cor. 16:2 e Apoc. 1:10 distinguem necessariamente esse dia como separado para serviços religiosos." (3) 

Quanto ao "partir o pão" há divergências de interpretação, sendo temerária a afirmação de que se tratasse da Santa Ceia. Este "partir o pão" era um ato que os cristãos primitivos praticavam diariamente (Atos 2:46), e não apenas no primeiro dia da semana, como se pretende insinuar. A própria Bíblia se encarrega de desmentir conclusões levianas. 

WALKER, notável historiador eclesiástico, assim comenta o costume: "... partiam o pão diariamente em casas particulares. Este 'partir do pão' servia a um fim duplo: era um elo de fraternidade e um meio de sustento para os necessitados." (4) 

A idéia de serviço de santa ceia não está necessariamente expressa na frase. Assim se desmantela a afirmação leviana. 

2. O sistema de contar os dias de pôr de Sol a pôr de Sol vem da criação, e está em toda a Bíblia. E quanto ao tempo referido na passagem de Atos 20:7, podemos alinhar um rol de citações que confirmam o nosso ensino. 

CONYBEARE AND HOWSON, batistas, têm esta convicção: 

"Era o anoitecer que sucedia o sábado judaico. No domingo de manhã o navio deveria partir... Ele [Paulo] continuou sua solitária viagem naquele domingo, depois do meio-dia, na primavera, entre os carvalhais e córregos de Ida." (5) 

ROBERTSON, também batista, admite: 

"Com toda a probabilidade se reuniram em nosso sábado à noite – o início do primeiro dia ao pôr de Sol." (6) 

CALVINO, o patrono doutrinário da predestinação esposada pelos batistas, assim comenta a passagem: 

"É ponto pacífico que Paulo esperara pelo sábado porque no dia anterior à sua partida podia muito mais facilmente encontrar reunidos todos os discípulos num mesmo lugar. Digno de nota é o fervor de todos eles não se sentindo incomodados em que Paulo lhes discursasse até à meia-noite, embora necessitasse ele seguir viagem; tampouco se tratava de uma ocasião especial para serem instruídos. Pois não tinha o apóstolo outro motivo para alongar o seu discurso a não ser unicamente o profundo desejo e atenção dos seus ouvintes." (7) 

Convém alinhar mais comentários de eruditos evangélicos, observadores do domingo: 

HACKETT, professar de grego do Novo Testamento no Seminário Teológico de Rochester, diz em Seu comentário: 

"Os judeus contavam o dia da tarde para a manhã, e sobre esta base a noite do primeiro dia da semana seria nosso sábado à noite. Se Lucas aqui contava assim, como supõem muitos comentaristas, o apóstolo então aguardara o término do sábado judaico, e realizara sua última reunião religiosa com os irmãos em Trôade... na noite de sábado, e em conseqüência, recomeçara a viagem na manhã de domingo." (8) 

O autorizado e sempre citado MOFFATT, consigna o seguinte comentário sobre a passagem em lide: 

"Paulo e seus amigos não podiam, como bons judeus, iniciar uma viagem no sábado; fizeram-na tão cedo quanto foi possível, a saber, na madrugada do 'primeiro dia' tendo o sábado expirada ao pôr-do-sol." (9) 

Outro estudioso do assunto foi McGARVEY, da igreja Discípulos de Cristo: 

"Chego, portanto, à conclusão de que os irmãos se reuniram na noite após o sábado judaico, que era ainda observado como dia de repouso por todos dentre eles que eram judeus ou prosélitos; e considerando este fato, tal foi o início do primeiro dia da semana, empregado na maneira acima descrita. Na manhã de domingo, Paulo e seus companheiros reiniciaram a viagem." (10) 

ROBERTSON NICOLL nos diz sobre o assunto: 

"Vieram a Trôade, e lá permaneceram por uma semana, forçados sem dúvida pelas exigências do navio e seu carregamento. No primeiro dia da semana, S. Paulo reuniu a igreja para o culto. A reunião realizou-se no que poderíamos chamar de sábado à noite; pois nos devemos lembrar que o primeiro dia judaico começava ao pôr de Sol do sábado." (11) 

STOCKES, outro comentarista de valor, nos diz: 

"A reunião foi realizada no que poderíamos chamar a noite de sábado; pois nos devemos lembrar de que o primeiro dia judeu tinha inicio ao pôr de Sol do sábado." (12) 

STIFLER, também autor de um comentário do livro Atos dos Apóstolos, nos informa: 

"Sem dúvida reuniram-se na noite de nosso sábado, de modo que o pão da comunhão foi partido antes do romper do dia, na manhã do nosso domingo." (13) 

Conviria relembrar a maneira bíblica de delimitar o dia. Para isso devem-se reler Gên. 1:5, 8, 19, 23 e 31; 2:3; Lev. 23:32 ú. p.; S. Mar. 1:32; 15:42 e outras passagens. 

Assim fica pulverizada a segunda conclusão leviana e simplista do autor. 

3. Grande tolice é afirmar que Lucas, sendo gentio e escrevendo a outro gentio, se tivesse valido do sistema romano de demarcar o tempo. Os evangelhos sinóticos referem-se ao sistema judaico, ainda vigorante em seus dias. E também Lucas. Primeiramente vejamos no seu Evangelho dirigido ao mesmo Teófilo: 

S. Luc. 2:8 – "vigílias da noite" (não havia tal entre os romanos) 

S. Luc. 4:40 – "pôr-do-sol" 

S. Luc. 23:44 – "hora sexta" (meio-dia entre os romanos) e também "hora nona" (3 horas entre os romanos). 

S. Luc. 24:29 "é tarde e já declina o dia" (referência clara ao pôr-do-sol). 

Há também em Atos dos Apóstolos: 

Atos 2:15 – "hora terceira" (9 horas entre os romanos) 

Atos 3:1 – "hora nona" (15 horas) 

Atos 10:3 – "hora nona" 

Atos 10:9 – "hora sexta" (meio-dia) 

Atos 23:23 – "hora terceira" (21 horas) da noite. Cláudio Lísias não mandaria escoltar Paulo às três da madrugada... 

Lucas não se valeu da contagem romana. E assim fica fulminada a terceira conclusão do autor. 

4. Que os romanos desde o início de sua história adotassem o chamado "dia civil," é afirmação que provoca risotas entre pessoas de certa cultura. Recomendaríamos o livro Sunday in Roman Paganism de Leo Robert Odom, que traz exaustivas provas de que o "dia civil" se implantou no início da era cristã. 

Citaremos aqui apenas o testemunho de um escritor batista, W.. E. ALLEN: 

"No fim do primeiro século o método judaico não estaria mais em uso." (14) 

Deve-se dizer, alto e bom som, que a Bíblia não se subordina aos arbítrios humanos, pais Deus não altera Suas normas. O modo bíblica de cantar o tempo é sempre o mesmo. E se os oponentes, contra todas as provas, teimarem em afirmar que a reunião de Trôade se deu num primeiro dia da semana, então o foi numa noite que findava esse dia, e então a "santa ceia" ocorreu numa segunda-feira, pois se deu depois da meia-noite!!! 

5. Aquele advérbio "provavelmente" destrói o argumento do autor. Eu não basearia doutrina alguma sobre probabilidades. Tudo o que creio se assenta na sólida base de um "Assim diz o Senhor..." 

Depois de expor estes fatos incontraditáveis, afirmamos: ainda que a reunião de Trôade se desse, sem sombra de dúvida, num domingo, e ainda que nela se celebrasse a santa ceia, nada disso constituiria prova de que o dia de repouso houvera sido mudado, pois não há na Bíblia recomendação taxativa a respeito. 

A verdade, Porém, é que Paulo passou aquele domingo caminhando a pé, de Trôade a Assôs, uma distância de várias dezenas de quilômetros. Bem analisada, a passagem é contrária à tese dominguista. 


Referências: 


Augusto Neander, The History of the Christian Religion and Church, translated by John Rose (1831) vol. 1, pág 337 

Charles John Ellicott, A Bible Commentary for Bible Students, vol. 7, pág. 138. 

Meyer's Commentary on the New Testament, Acts, págs. 384 e 385. 

Williston Walker, História da Igreja de Cristo, Imprensa Metodista, 1925, pág. 32. 

Conybeare and Howson, Life and Epistles of the Apostle Paul, (ed. Antiga), pág. 629. 

Archibald Thomas Robertson, Word Pictures, vol. 3, pág. 339. 

João Calvino, Commentary upon the Acts of the Apostles, vol. 2, pág. 235. 

Dr. Horácio B. Ackett, Commentary on Acts, (ed. 1662), págs. 221 e 222. 

The Moffatt New Testament Commentary, (Acts), pág. 187.  

Prof. McGarvey, Commentary on Acts, sobre Atos 20:7. 

W. Robertson Nicoll, The Expositor's Bible, (ed. 1903) sobre Aios 20:7. 

G T. Stockes, The Expositor's Bible, Atos vol. 2, pág 393. 

Stifler, The Acts of the Apostles,  pág. 201. 

W. E. Allen, Harmonia dos Evangelhos (Casa Publicadora Batista), Apêndice n.º 3, pág. 248.